Quilombolas do Vale do Ribeira apoiam a Mobilização Nacional Indígena e repudiam PEC 215

Em encontro realizado nesta terça-feira, 31 de março, representantes de 14 comunidades quilombolas traçaram estratégias e lançaram manifesto de apoio à mobilização

EAACONE

O movimento quilombola do Vale do Ribeira dos estados do Paraná e São Paulo em conjunto com os parceiros Eaacone (Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira), Moab (Movimento dos Ameaçados por Barragens), ISA (Instituto Socioambiental) e Cepce (Centro de Educação, Profissionalização, Cidadania e Empreendedorismo) realizou nesta terça-feira, 31 de março, um encontro para discussão de uma estratégia de participação na Mobilização Nacional Indígena de 13 a 16 de abril.

Os representantes de 14 comunidades quilombolas debateram a lista dos principais projetos de lei, ações de inconstitucionalidade e emendas constitucionais que estão tramitando no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal e que ameaçam os direitos das populações tradicionais, com destaque para a PEC 215, transfere do governo federal para o Congresso a última palavra sobre a oficialização de Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs) e Territórios Quilombolas.

Considerando a porção paranaense do Vale do Ribeira, são 88 comunidades quilombolas, sendo 67 no estado de São Paulo. Segundo dados da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) das 32 comunidades que são reconhecidas em todo o Estado, 25 estão no Vale do Ribeira e, destas, apenas seis foram tituladas. No Estado do Paraná nenhum território quilombola foi titulado.

A morosidade e a extensa burocracia nos processos de regularização fundiária têm trazido sérios problemas às comunidades quilombolas, principalmente conflitos com ocupantes irregulares e Unidades de Conservação sobrepostas. Vários destes conflitos geraram violência e morte de lideranças quilombolas na região.

Muitos direitos adquiridos com a Constituição de 1988, especialmente em seu artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), regulamentado pelo Decreto 4.887/2003, estão ameaçados. O reconhecimento ao direito à terra das populações quilombolas, a regulamentação do processo de identificação e o reconhecimento e titulação dos territórios são alguns dos alvos desse retrocesso. Se aprovada a Ação Direta de Inconstitucionalidade do Decreto 4887/2003 (ADI 3239), que atualmente está em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o processo de titulação de terras de quilombo será paralisado, por falta de regulamentação. Se aprovada a PEC 215 os quilombolas sabem que dificilmente um território será reconhecido e titulado.

“O momento pede união dos movimentos sociais, populações tradicionais, indígenas, ambientalistas e todos que apoiam esta causa e acreditam num país democrático e diverso”, disse Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA e que participou da reunião por conferência eletrônica, desde Brasília.

Ao final, os presentes fecharam uma agenda de ações para o ano de 2015 e redigiram um manifesto de apoio à Mobilização Nacional Indígena, considerando-a uma luta de todos os povos tradicionais, e destacando as demandas do movimento quilombola nesse contexto de retrocessos. (Leia o documento abaixo).

* * *

Manifesto das comunidades quilombolas

do Estado de São Paulo e Vale do Ribeira do Paraná

contra as ameaças e retrocessos aos direitos territoriais

Em encontro em Eldorado/SP, as lideranças quilombolas do Estado de São Paulo e Vale do Ribeira do Paraná se unem e se solidarizam à luta das populações indígenas no Brasil que se organizam para a Mobilização Nacional Índígena, por considerar que esta luta é comum a todas as populações tradicionais.

A não implementação das legislações que garantam agilidade aos processos reconhecimento, titulação dos territórios quilombolas, desintrusão dos terceiros, que tem provocado conflitos, ameaças e a mortes de lideranças, é um atraso aos direitos adquiridos. É urgente garantir maior agilidade e desburocratização nos processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas.

Para tanto, exigimos a extinção dos retrocessos:

  • Pela extinção da ADIN 3239 questionando a constitucionalidade do decreto 4887/2003;
  • Pela extinção da PEC 215/2000, que visa transferir a prerrogativa de regularização fundiária das terras quilombolas, indígenas e Unidades de Conservação do Executivo ao poder legislativo;
  • Pela mudança dos termos do projeto de lei 7735/2014, atualmente no senado sob a identificação PLC 02/2015, que trata do uso dos conhecimentos tradicionais e patrimônio genético. Exigimos a inclusão da repartição dos benefícios de forma justa para as comunidades tradicionais e que as condições de repartição e consultas sejam discutidas e acordadas com a Comissão dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. Exigimos que este PL respeite a Convenção 169 da OIT e protocolo de Nagoya, dos quais o Brasil é signatário.
  • Exigimos que os órgãos ambientais estaduais não criminalizem as comunidades por suas práticas tradicionais e que desafetem as Unidades de Conservação sobrepostas aos territórios quilombolas.
  • Exigimos também que seja garantido às comunidades quilombolas o direito de consulta prévia e informada para qualquer empreendimento ou ato que afete nossos territórios (Silvicultura, Mineração, Barragem e Transposição de Águas), em acordo com a Convenção 169 da OIT.

Por entendermos que essas ameaças são um retrocesso às conquistas das populações tradicionais do Brasil e à democracia, reiteramos nosso apoio à Mobilização Nacional Indígena.

Representantes de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira debatem estratégias de apoio à Mobilização Nacional Indígena|Gilvani Scatolin Leite-ISA

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.