O pedido de vista do ministro do STF à ação que defende o fim do financiamento empresarial de campanhas completa um ano sob críticas da OAB, CNBB e estudantes de direito
Por Miguel Martins, na Carta Capital
Na quarta-feira 24, integrantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) acenderam 365 velas em frente ao Supremo Tribunal Federal, uma para cada dia de espera. Neste 2 de abril, completa-se um ano do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes à ação da Ordem dos Advogados do Brasil que defende a inconstitucionalidade das doações de empresas em campanhas eleitorais. Marcelo Levenére, da Comissão para Reforma Política da CNBB, pediu a Ricardo Lewandovski, presidente da Corte, a retomada do julgamento. Antes de Mendes sequestrar a ação em seu gabinete, o julgamento estava virtualmente decidido. Seis ministros foram favoráveis à tese da OAB de que a participação de empresas nas eleições fere o princípio democrático da igualdade, pois aumenta a influência dos mais ricos sobre o resultado das eleições e incentiva relações corruptas entre doadores de campanha e políticos.
Mendes não foi o único alvo da CNBB. Na terça-feira 23, a entidade dispôs 200 sacos fictícios de dinheiro em frente ao Congresso e clamou pela rejeição da Proposta de Emenda Constitucional 352, que pretende regularizar as contribuições de pessoas jurídicas. “Queremos uma reforma política boa para a democracia brasileira”, diz Lavenére. “Não aceitamos oprojeto que Eduardo Cunha, do PMDB, quer impor goela abaixo.”
Cunha e Mendes agem em sintonia. O primeiro busca garantir a legalidade das doações empresariais na Câmara, o segundo aguarda a definição do Congresso para dar prosseguimento ao julgamento em um cenário que incentivaria a revisão dos votos dos ministros favoráveis à ação. Cunha promete levar a plenário a PEC 352 mesmo sem um parecer da comissão instalada sobre o tema. O projeto defendido pelo presidente da Câmara prevê ainda o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos do Executivoe a implantação da chamada cláusula de barreira, exigência de um mínimo de votos para um partido ter direito a ocupar assentos no Congresso.
O PMDB, partido que mais arrecada em eleições, é o maior interessado na continuidade do financiamento empresarial de campanhas. Nas eleições de 2014, o Diretório Nacional do partido declarou ao Tribunal Superior Eleitoral ter recebido 208,1 milhões de reais. Segundo deputado federal mais beneficiado por doações, Cunha afirmou ter arrecadado 6,8 milhões. O partido é, por sinal, o principal alvo de uma investigação da Procuradoria Geral da República a respeito de contribuições que podem ter sido abastecidas com recursos desviados da Petrobras nas eleições de 2010. A Procuradoria investiga a origem de doações de empreiteiras no valor de 32,8 milhões à legenda. Para completar, Cunha e Renan Calheiros, presidente do Senado, estão na lista de investigados da Operação Lava Jato.
A proposta de reforma política de Cunha opõe-se diretamente à do PT, defensor de longa data do fim das doações empresariais, posição reafirmada inúmeras vezes pela presidenta Dilma Rousseff. Um consenso no Congresso para vetar a prática parece distante, ao se considerar a baixa fidelidade recente do PMDB ao governo petista, pressionado a recuar em diversos temas. Na quarta-feira 25, Calheiros reafirmou o clima ruim, ao sinalizar que o Congresso derrubaria um eventual veto de Dilma ao projeto de regulamentação do novo indexador da dívida dos estados e municípios. Poucas horas depois, o presidente do Senado atendeu ao pedido do ministro Joaquim Levy para dar tempo ao governo na apresentação de uma contraproposta.
Não é a primeira vez nesta legislatura que Calheiros endurece o jogo. Recentemente, articulou a derrubada do veto de Dilma à correção de 6,5% na tabela do imposto de renda. Após ser avisado da presença de seu nome na lista de investigação da Lava Jato, Calheiros determinou a devolução de Medida Provisória que reduzia as desonerações na folha de pagamento.
Enquanto a proposta de reforma política defendida pelo PMDB não passar por votação, a análise da ação da OAB permanecerá estacionada, promete Mendes. “Isso é matéria do Congresso por excelência. Alguém já imaginou o Supremo definindo qual será o sistema eleitoral?”, afirmou ao jornal O Globo. Retórica pura. Nos últimos anos, o STF ficou conhecido por seu ativismo e Mendes foi um dos protagonistas do que se convencionou chamar “judicialização da política”. Acumulam-se exemplos de decisões da Corte que atropelaram as funções do Legislativo. Aprovada em 1996 pelo Congresso, a mesma cláusula de barreira que o PMDB quer reeditar foi considerada inconstitucional pelo Supremo em 2006.
Mendes criticou ainda a OAB por querer impor um limite uniforme às contribuições individuais. “Um pouco de respeito à inteligência alheia faria bem a quem formulou essa proposta. Não nos façam de bobos!”. Segundo o ministro, impor um mesmo valor de contribuição a um beneficiário do Bolsa Família e a um empresário é encomendar “lavagem de dinheiro”. Cezar Britto, ex-presidente da OAB e líder da comissão para reforma política da entidade, rebate ao lembrar que o modelo atual de contribuição individual, baseado em um limite percentual de 10% da renda aferida no ano anterior às eleições, afeta principalmente candidatos independentes. “No Rio de Janeiro, há casos na Justiça Eleitoral de impugnação de candidaturas de estudantes por terem recebido doações de colegas que não tinham remuneração fixa”, lembra Britto.
Coincidentemente, um grupo de estudantes de faculdades cariocas de Direito fará um ato contra o pedido de vista de Mendes em 2 de abril. Festas de “descomemoração” serão realizadas na PUC, UERJ e UFRJ, entre outras. Um dos organizadores, Luiz Fernando Azevedo afirma que os atos terão entregas de panfletos para convocar os estudantes a debater a reforma política e passeatas puxadas pelo lema “levanta, Gilmar”. “É difícil de acreditar que um homem inteligente como ele necessite de um ano para entender uma proposta, tomar uma decisão e organizar seu voto.”