Carta de povos indígenas do sul e extremo sul da Bahia à OAB

Nós os povos indígenas do sul e extremo sul da Bahia de diversas etnias e comunidades, sobrevivemos nestes territórios desde antes a grande invasão daqueles que vieram de outras terras, do outro lado do mar, visando roubar nossas riquezas e ocupar nossas terras. Infelizmente este processo de roubos e invasão após 515 anos ainda continua.

Aproveitamos a presença de tantos jovens advogados e do presidente do Conselho Federal da OAB e os demais presentes nesta I Conferência Nacional do Jovem Advogado nestas nossas terras, onde se deu início a este processo de violação de direitos, e que continua até hoje, para relatar a nossa situação e lhes pedir apoio e solidariedade a nossa luta pela preservação daquilo que é mais sagrado para os nossos povos: A nossa Mãe Terra.

Mesmo sendo do conhecimento de todos que estas terras nos pertencem, mesmo antes da sua chegada o branco invasor e seus empreendimentos, eles hoje ocupam quase todas as nossas terras nos empurrando para as periferias das cidades ou tentando nos manter em diminutos pedaços de terras. Não sabemos se todos os presentes perceberam, esta linda e bela região, hoje encontra-se quase totalmente ocupadas por eucaliptos e as cidades cheias de grande hotéis e empreendimentos e as nossas comunidades é vista de maneira folclórica como se fossemos “objetos do passado”. Queremos afirmar que somos o presente com as nossas culturas e tradições vivas. E afirmar que o que restou da Mata Atlântica em todo o Brasil fomos nós que a preservamos com a nossa pratica cotidiana de respeito a Irmã Natureza e nossa resistência em defesa da nossa Mãe Terra.

Temos aqui nesta região da Bahia diversas demandas relacionadas a estas nossas lutas em defesa da Mãe Terra, além do enfrentamento a este avanço do agronegócio, temos também, a inoperância e o descumprimento de compromissos constitucionais do Governo Federal para com as nossas comunidades, a exemplo:

– Há mais de 07 anos aguardamos a publicação de uma Carta Declaratória que venha a regularizar a T.I. Barra Velha, todas as vezes que reclamamos desta situação existe a promessa da carta ser publicada, mas fica só na promessa;

– Situação pior vive os Tupinambá de Olivença nos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema que aguardam há 06 anos a publicação da Portaria Declaratória, os prazos legais todas já se passaram e simplesmente o Ministro da Justiça engavetou a ação, esta situação tem gerando uma onda de extrema violência contra a comunidade Tupinambá vitimando muitos de seus membros e criando um clima  de instabilidade na região contrário a comunidade indígena, além de um intenso processo de criminalização e perseguição às lideranças e as lutas deste povo. Culpamos esta situação ao Governo Federal;

– O território Cahy/Pequi do Povo Pataxó aguarda há muito tempo a publicação do relatório circunstanciado para poder regularizar as suas terras, promessas são feitas e não são cumpridas gerando a mesma situação dos parentes Tupinambá de perseguição, violência e criminalização;

– Vale ressaltar que passam pela mesma situação de insegurança territorial os parentes Tupinambá de Itapebi e Belmonte, os Pataxó de Coroa Vermelha, Mata Medonha, Jaqueira e outras comunidades que não conseguem viver de modo digno pois tem sobre suas cabeças ações judiciais e perseguições por conta das suas lutas pela garantia de suas terras.

Pedimos apoio dos presentes neste evento, em especial da OAB, no sentido de exigir do governo federal que cumpra com as suas obrigações constitucionais e regularizem nossos territórios; que suspendam as diversas ações de reintegrações de posse em curso e busquem mecanismos que venham a barrar de vez este processo de criminalização e perseguição de nossas lideranças, a exemplo, do que aconteceu recentemente com o nosso cacique Babau Tupinambá impedindo de participar de uma audiência com o Papa devido ao forjamento de processos criminais contra ele.

Solicitamos também apoio de todos vocês no sentido de barrarmos de vez estas Propostas de Emendas Constitucionais e Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional que visam retirar ou impedir direitos de nossos povos, a exemplo da PEC 215 e do PL 1610, e mais urgentemente a PEC 00071/2001 que altera o & 6 do art. 231 que já se encontra em pauta na CCJ. Estes projetos em curso significam a morte declarada e institucionalizada de nossos povos, um imenso retrocesso histórico para este País e um total desrespeitos aos compromissos com as leis internacionais a exemplo da Convenção 169 da OIT, onde o Brasil é signatário.

Por fim, agradecemos a oportunidade de podermos participar de um evento tão brilhante e promissor com a presença de tantos jovens advogados e esperamos poder contar com o apoio de todos para que no futuro não nos envergonhemos de nossa História, mas, pelo contrário, possamos nos orgulhar de termos construindo uma Pátria Pluriétnica, Democrática e Justa.

Porto Seguro, 20 de março de 2015.                                                                                                                                   

Assinam

Lideranças Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe

Imagem destacada: Eugenio Novaes.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Haroldo Heleno.

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