Para entrevistado Egydio Schwade, a democracia não funciona na Amazônia e essa afirmação exige pensar profundamente sobre as realidades da região
Ivânia Vieria, A Crítica
A democracia na Amazônia não funciona. E o que funciona é às avessas do que pressupõe uma democracia, afirma o missionário, estudioso e militante da causa indígena, Egydio Schwade, 79, segundo entrevistado na série Amazônia e Democracia, que reúne reflexões a respeito do legado amazônico da redemocratização do País que este ano completa 30 anos.
Todos os governos que se constituíram na Região Amazônica após a ditadura estão, na avaliação do missionário, preocupados em continuar os projetos e programas instalados pelo Governo Militar ou por governos colonialistas anteriores à ditadura.
Na lista desses grandes projetos do governo militar na região estão: construção de rodovias, hidrelétricas, polos de desenvolvimento que visavam a instalação da agropecuária, do agronegócio, de mineradoras nacionais e multinacionais. E Egydio afirma: “tudo está aí, por vezes até com mais agressividade do que ao tempo do regime autoritário. A Zona Franca de Manaus (ZFFM) foi o grande instrumento de que se valeram os militares para esvaziar a Amazônia, desapropriar os amazonenses e entregar as terras da região aos latifundiários estrangeiros e ‘paulistas’ e transformá-los em peões ou assalariados. O modelo permanece, incentivado por todos os governos que se sucedem. E ai do político que ouse contestá-lo!”
Na concepção do missionário, falar de democracia na Amazônia exige pensar profundamente sobre as realidades dessa região, o que reivindica conhecê-la e se colocar numa atitude de ouvir as vozes que clamam longe dos grandes centros urbanos amazônicos por direitos e oportunidades. São vozes não ouvidas ou melhor silenciadas pela força de uma forma de governar.
Egydio Schwade classifica todos os instrumentos que estão em atividades no discurso em torno do desenvolvimento da Amazônia como antidemocráticos e que atuam para espoliar a região, como se ela fosse apenas almoxarifado de produtos variados que serão oportunamente explorados por gente e empresas estranhas à região. Jamais para servirem ao homem e à mulher da Amazônia. “É importante analisar sob esse ponto de vista as repetidas declarações do governador do Estado, José Melo (Pros), sobre soluções para o problema da falta de água no Nordeste e no Sudeste brasileiros, onde se sente bem a real preocupação do Poder Público amazonense”.
Um sistema de ameaças em plena ação
A visão colonial das autoridades constituem uma das ameaças permanentes à concepção de um projeto democrático na Amazônia. Para Egydio, essas autoridades são eleitas por um sistema eleitoral viciado que garante a sua continuidade no poder colonial e como diz Paulo Freire, “por ingenuidade ou por astúcia!”.
Outra ameaça apontada pelo ativista é o apoio dado ao sistema de grilagem de terras instaurado na ditadura militar e montado sob um regime de leis inaceitáveis, ou nulas e que vem sendo mantido, defendido e continuado por quase todas as instâncias agrárias e jurídicas da região. Por meio dele, persistem as ameaças de despejo contra centenas de comunidades interioranas, cujos membros são impedidos de obterem um título da terra que ocupam e da qual tiram seu sustento há anos.
“Mas talvez a maior ameaça à instituição da democracia na região é a agressividade à Constituição do País no que se refere à legislação indigenista. Os povos indígenas representam, sem dúvida, hoje, a maior resistência contra o sistema espoliador ou sistema de agressão à economia regional do presente e do futuro. Além disso, são os povos indígenas os guardiões maiores de um modelo de esperança para reais melhorias em prol de um bem-viver para todos os que desejam viver nesta terra amazônica.”
Imagem: Egydio é coordenador do Comitê Estadual do Direito à Verdade, Memória, e Justiça