RO – Decisão da justiça colocará na prisão mais de uma dezena de agricultores familiares

A CUT e a FETAGRO divulgaram Nota Pública sobre a decisão da Vara Criminal de Vilhena (RO), publicada na última terça-feira, determinando a prisão de 16 agricultores familiares da Associação Água Viva, de Chupinguaia (RO). Veja a Nota e histórico sobre o caso.

Da CPT Rondônia

“A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia  (FETAGRO) vem a público manifestar, com o devido respeito, sobre a decisão da 2ª Vara Criminal de Vilhena no processo 0002297-32.2012.8.22.0014, publicada na terça-feira (24), que resultará na prisão imediata de dezesseis agricultores familiares, sendo onze homens e cinco mulheres, pais e mães de família, conforme segue:

1) Há que se ressaltar que nenhum erro material existe nessa decisão judicial, porém do ponto de vista de ser uma decisão justa e que contribuirá para pacificar o conflito social, temos profunda divergência;

2) Trata-se de conflito agrário ocorrido em março de 2012 no município de Chupinguaia, onde teria havido descumprimento de ordem judicial de não ocupação de uma Fazenda, cuja posse era questionada pelo INCRA na Justiça Federal;

3) A polícia retirou os agricultores da área e dezoito foram indiciados por crime de descumprimento de ordem judicial;

4) Pessoas simples, sem recursos materiais, sem poder de influência, não puderam na fase inicial contratar advogados especializados na área criminal, tanto é assim que dezessete tiveram um único profissional atuando em suas defesas;

4.1) Um exemplo de como foram prejudicados é o fato de que cada um poderia ter apresentado três testemunhas, para falar sobre os fatos e sobre suas condutas em sociedade, por exemplo, entretanto, apenas um dos acusados, que era vereador, teve advogado individual e apresentou testemunhas;

5) Já em grau de recurso, outros profissionais especializados entraram na causa, graças ao apoio de entidades sindicais, mas as dificuldades para reverter a condenação de primeira instância se tornaram maiores;

6) Atualmente há vários recursos para os Tribunais Superiores, entretanto esses recursos não teriam efeito suspensivo, fato alegado pela 2ª Vara Criminal para determinar de imediato as prisões, porem não tem o trânsito em julgado da ação.

7) É importante ressaltar que não se trata de bandidos, assaltantes, assassinos, ladrões, estelionatários, corruptos… são simplesmente agricultores familiares que não representam nenhum risco para sociedade. Além disso, o próprio juiz em seu despacho diz que “observando-se que todos os réus condenados possuem endereços certos”. Ou seja, são cidadãos de bem!!!

Diante do exposto e sem questionar o mérito da decisão que determinou a imediata prisão desses agricultores, a CUT e a FETAGRO apelam publicamente ao Judiciário de Rondônia, para que estes agricultores possam aguardar em liberdade o julgamento de todos os recursos cabíveis, trabalhando e sustentando suas famílias”.

Entenda o caso

No início do mês de fevereiro, a Primeira Vara Civil da Comarca de Vilhena averbou a anulação do título provisório que beneficiava o fazendeiro Itamar, pretenso dono das terras onde vivem, há cerca de dez anos, famílias de agricultores familiares, organizados na Associação Água Viva. A anulação havia sido feita pelo Programa Terra Legal em julho de 2014, que reconheceu o direito dos pequenos agricultores de ocuparem as terras, legalmente da União.

Conflitos, perseguição e violência contra os agricultores marcaram as famílias que vivem na área. Em 2010, elas foram despejadas a pedido da família Caramelo que, até então, se dizia dona da área. Após o despejo, a família, que detinha somente o título provisório e ainda sob vistoria, vendeu a terra para o fazendeiro Itamar. Esse fez da casa de uma das famílias que viviam na área, a sede de sua nova fazenda.

A sede da Associação Água Viva, criada pelas famílias dos pequenos agricultores, foi queimada, animais criados pelo grupo foram mortos, e pistoleiros rondavam a área constantemente. O presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Vilhena e vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura em Rondônia (Fetagro), Udo Walbrink, junto com outras lideranças denunciou os fatos aos órgãos responsáveis, apresentando, inclusive, fotografias e cópias de boletins de ocorrência, bem como nomes e placas dos carros dos possíveis envolvidos nos crimes. Ele passou, então, a receber ameaças de morte, e chegou a sofrer uma tentativa de assassinato, quando o carro do sindicato, em que ele estava, foi alvejado. Sem conseguir proteção contra as ameaças, e após o atentado, Udo tentou proteger a própria vida andando armado. Em março de 2011 foi detido, acusado de porte ilegal de armas. A Delegacia de Polícia Civil de Vilhena divulgou texto onde atribuía a ele a responsabilidade “por diretamente comandar e dar suporte a essas ações criminosas”. O vereador de Chupinguaia Roberto Ferreira Pinto, presidente da Câmara, também foi preso. Ambos acusados de estarem relacionados, e serem incentivadores, do conflito dos posseiros da Associação Água Viva. Outra liderança da região, Pedro Arrigo, teve a prisão decretada. Já em fevereiro de 2012, foi preso Diorande Dias Montalvão, integrante da Associação Água Viva.

Em 15 e 16 de março de 2012 mais de oitocentos agricultores denunciaram todo tipo de injustiças que sofriam em audiência pública organizada pela Ouvidoria Pública Agrária na Câmara de Vereadores de Vilhena. Porém os detidos somente foram soltos após sete meses de prisão e o pedido de habeas corpus foi atendido apenas após chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, com a defesa do advogado criminalista Luiz Eduardo Greenhalgh, de São Paulo.

Poucas semanas depois a justiça estadual julgou e condenou Udo Wahlbrink, Pedro Arrigo e outros apoiadores do grupo. Alguns foram condenados há mais de 10 anos de prisão. Outros 14 posseiros, agricultores e agricultoras do local, foram condenados há mais de oito anos.

Em maio de 2014 a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado de Rondônia manteve a sentença que condenou Udo. O recurso especial contra a acusação de formação de quadrilha, depositado ainda em 2014, não foi aceito pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, e o processo continua tramitando em Brasília. Agora, essa decisão do juiz da 2ª Vara Criminal de Vilhena (RO), pode mandar para a prisão 16 lutadores e lutadores do povo, trabalhadores e trabalhadoras, que defendiam seu direito de permanecer na terra em que vivem e trabalham.

Imagem: CPT Rondônia.

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