Carta aos Ministérios representados na CTNBio sobre autorização para plantio de eucalipto transgênico pela Suzano/FuturaGene

A todos os Ministérios representados na CTNBio, com cópia para a Presidente e demais membros*

Exmo. Senhores/as, Ministros/as, e Sra. Presidente substituta da CTNBio,

Através desta, vimos expressar nossa profunda indignação com uma possível decisão da CTNBio pela autorização do plantio comercial do eucalipto GM pela empresa de biotecnologia de propriedade da empresa de papel e celulose Suzano, a FuturaGene. Essa decisão, que visa apenas beneficiar um segmento do setor privado do país, poderá ser tomada na próxima reunião da Comissão, marcada para o dia 5 de março de 2015, em Brasília.   Se o pedido for aprovado, será uma decisão sem precedentes, não só no Brasil, mas em toda a América Latina e inclusive em  nível global.

A CTNBio não possui estudos científicos suficientes sobre os graves impactos que tal aprovação poderá causar a outros setores econômicos igualmente importantes para a econômica do país, como é o caso da apicultura, com exportações de mel orgânico chegando a 80% da  produção nacional.  Os mercados que importam mel do Brasil exigem que essa produção não seja transgênica.

O Eucalyptus é a principal fonte de néctar e pólen para a apicultura no Brasil, principalmente nos Estados do Sul, Sudeste e Nordeste (Sul da Bahia). O mel contém mais ou menos 1% de pólen e estima-se que quase todo o mel produzido tem os grãos de pólen de Eucalyptus como dominante em sua origem. Segundo o SEBRAE (2014), a produção de mel hoje no Brasil chega a mais de 40 mil ton/ano, envolvendo 500 mil apicultores, em geral pequenos produtores da agricultura familiar, e 2 milhões de colmeias. O mel obtido em plantios de Eucalipto é considerado de alta qualidade, muitas vezes classificado como orgânico, além de ser produto de alto valor medicinal e nutricional. Cerca de 80 mil apicultores atuam em parceria com empresas de silvicultura, ocupando aproximadamente 400 mil ha e 1,3 milhões de colmeias (IBGE, 2012). Cabe ressaltar que esses números não incluem os pequenos produtores que praticam apicultura como renda extra e/ou para consumo próprio.

O Brasil é o 10º maior produtor mundial de mel e 50% de toda a produção é exportada. A biodiversidade e a riqueza natural estão refletidas na apicultura nacional, traduzindo-se em produtos únicos e diferenciados.  A contaminação do mel brasileiro obrigará os apicultores a rotularem seus produtos exportáveis como transgênicos e por isso poderão sofrer embargos por outros países.

Além disso, o próprio representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário alerta que os estudos realizados para avaliar os efeitos do eucalipto nas abelhas e na produção de mel são insatisfatórios, pois levaram em conta apenas cinco colmeias de uma única localidade. Cerca de 25% do mel produzido no Brasil vem do eucalipto, e a pesquisa apresentada pela FuturaGene / Suzano não avalia os aspectos nutricionais do mel produzido a partir de pólen transgênico, tampouco sua toxicidade ou alergenicidade.

A CTNBio tem obrigação de respeitar todos os interesses da indústria nacional, os interesses dos cidadãos e das gerações futuras, antes de julgar o pedido que beneficia apenas a FuturaGene/Suzano, porque se não o fizer o governo brasileiro estará desrespeitando não só a legislação brasileira, mas também a Convenção da Biodiversidade (CBD) da qual é signatário, em especial em relação ao Princípio da Precaução e a decisão UNEP/CDB/COP/9/IX/5, que determina que antes de qualquer decisão quanto à liberação comercial de OGMs os governos signatários, no caso o governo brasileiro, DEVEM realizar análises de riscos exaustivas e rigorosas em todos os biomas, bem como DEVEM editar normas que possibilitem a total segregação entre organismos transgênicos e não transgênicos, evitando assim a contaminação genética. O Brasil ainda não cumpriu essas obrigações de forma consistente e completa, às quais se comprometeu ao ratificar a Convenção da Biodiversidade. .

É notório que existem graves incertezas com relação aos potenciais impactos ambientais e socioeconômicos das árvores geneticamente modificadas para os ecossistemas e para diversas atividades econômicas que dependem da biodiversidade para sua sobrevivência. Tais atividades econômicas são geradoras de renda, emprego e riqueza para o Brasil, e devem ser respeitadas pela CTNBio, ao tomar qualquer posição em relação ao pedido de um único setor.  Considerando-se o ciclo de vida longo e, muitas vezes, complexo das árvores e sua interação com a biodiversidade, é praticamente impossível prever as consequências e os impactos das árvores transgênicos.

Uma única audiência pública realizada sobre o tema no dia 04 de setembro 2014 em Brasília deixou evidente a insuficiência dos estudos realizados. Naquela ocasião, foi entregue ao Presidente da CTNBio também uma carta de organizações brasileiras e latino-americanas (http://wrm.org.uy/pt/todas-as-campanhas/carta-aberta-a-comissao-tecnica-nacional-de-biosseguranca-ctnbio-do-brasil/)  pedindo expressamente à CTNBio não autorizar o pedido da Futuragene/Suzano. Uma carta de organizações internacionais reforçando este pedido também foi entregue na mesma ocasião (http://wrm.org.uy/pt/acoes-e-campanhas/statement-in-support-of-the-open-letter-to-ctnbio/).

Os motivos não são poucos. Além dos riscos já mencionados, os supostos ganhos ambientais e sócio-econômicos não são compatíveis com a realidade já experimentada com o modelo da monocultura em larga escala, usado há décadas no Brasil, e no qual o eucalipto GM será inserido.  O benefício alegado pela Futuragene/Suzano de um aumento da produtividade em mais 20% será apenas um incentivo a mais para a expansão deste modelo, agravando seus impactos negativos, em vez de reduzi-los. Estes impactos incluem a aplicação em larga escala de agrotóxicos e o voraz consumo de água pela monocultura de eucalipto, num país que enfrenta atualmente uma das suas mais graves crises hídricas.

Além disso, já existem – e continuam aumentando – numerosos e graves conflitos pelo acesso à terra.  As condições de vida das comunidades cercadas pela Suzano nos diversos estados onde tem plantações foram destruídas a ponto de muitas delas estarem lutando para garantir sua soberania alimentar e correrem cada vez mais riscos de perder seus territórios.

Por tudo isso, pedimos que o governo brasileiro, através da CTNBio e deste Ministério em especial, tome todas as providências para não permitir a aprovação do plantio comercial de eucalipto transgênico, seja em resposta ao pedido da FuturaGene/Suzano ou de qualquer outra empresa que também tenha feito, ou venha a fazer no futuro, solicitação para essa liberação.

[Seguem as assinaturas]

*Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação – Sr. José Aldo Rebelo Figueiredo (Email: [email protected]) / Ministra de Agricultura – Sra. Kátia Abreu (Email: [email protected]) / Ministro da Saúde – Sr. Arthur Chioro (Email : [email protected]) / Ministra do Meio Ambiente – Sra. Izabella Mônica Vieira Teixeira (Email: [email protected]) / Ministro do Desenvolvimento Agrária – Patrus Ananias de Sousa (Email: [email protected]) / Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Armando de Queiroz Monteiro Neto (Email: [email protected]) / Ministro das Relações Exteriores – Mauro Luiz Icker Vieira (Email: [email protected]) / Ministro da Pesca e Aquicultura – Helder Zahlut Barbalho (Email: [email protected])

CC: Sra. Maria Lucia Zaidan Zagli – Presidente substituta da CTNBio – e aos demais membros da CTNBio (Email: [email protected])

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