As terras reivindicadas em Corumbá (GO), supostamente, pertencem a um senador da República pelo estado do Ceará: 30 mil hectares improdutivos
Por Rafael Villas Bôas*
Da Página do MST
Fazer a Reforma Agrária com uma canetada foi a promessa que empolgou os trabalhadores sem terra quando Lula assumiu o comando do país, em 2002. Mais de 150 mil famílias foram acampar, na expectativa de que a ordem viesse, e com ela as terras e a mudança de vida. Estamos iniciando a quarta gestão petista, no governo federal, com a principal representante das corporações do agronegócio no comando do Ministério da Agricultura.
Nem no esforço de imaginação mais pessimista seria possível pensar que Kátia Abreu estaria na Esplanada dos Ministérios, no quarto governo petista consecutivo. Da mesma forma como seria inconcebível pensar que um dos homens que levou São Paulo à lona seria alçado à condição de Ministro das Cidades, outro que foi expulso do PFL por roubar 600 mil estaria no comando dos Esportes, em véspera de sediarmos uma Olimpíada, e um homem forte dos bancos privados estaria no comando da operação dos cortes de gastos públicos.
Bem sabemos que o que governa o país não é o pacote de ideais do partido vencedor dos pleitos, mas a gama de interesses que prevalecem dos pactos de governabilidade com os partidos e segmentos da classe dominante. Após doze anos, não notamos um projeto político progressista ascendente, mas uma massa disforme de projetos e intenções, no mais das vezes, reacionárias.
É nessa conjuntura, claramente regressiva, que a luta das três mil famílias sem terra do Acampamento Dom Tomás Balduíno adquire um caráter simbólico de âmbito nacional.
As terras reivindicadas em Corumbá (GO), supostamente, pertencem a um senador da República pelo estado do Ceará: 30 mil hectares improdutivos. Exposta a forma de acumulação de poder territorial, político e do domínio dos meio de comunicação no Ceará, os cearenses mudaram a direção do voto e não elegeram Eunício Oliveira para governador daquele estado. Se trata de um belo exemplo de como a luta de massas da classe trabalhadora pode interferir na festa dominada pelo marketing que são as eleições brasileiras, impondo questões, como a reforma agrária, que o meio político se esforça por ignorar.
Quem perde com a vitória judicial de Eunício e com o possível despejo anunciado para 25 de fevereiro? As três mil famílias que resistem bravamente às pressões e ameaças de um massacre que se anuncia. Os movimentos que lutam pela reforma agrária. Mas, sobretudo, o governo federal. Por quê?
Porque deixar que essa legítima luta seja mais uma vez tratada como questão de polícia é cortar de vez os frágeis laços com os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. É referendar a opinião da ministra da Agricultura, que se empenha em afirmar que não existe mais latifúndio no Brasil. É trocar mais uma vez a maioria pela minoria. É preferir manter um pacto de governança com partidos arcaicos, oligárquicos, a buscar meios de fortalecer a participação popular na política.
O Acampamento Dom Tomás Balduíno é um símbolo da luta popular, pela terra, pelo direito ao trabalho, pela educação, pela saúde, pela cultura, pela vida. Deixar que a justiça local decida o futuro dessa luta, fechando os olhos para o jogo político de influências e interesses de políticos com o judiciário, é se omitir. Omissão, nesse caso, é conivência com o que há de pior na política brasileira.
O desfecho dessa luta será emblemático do que teremos pela frente nos próximos anos. Enquanto políticos e governos se esforçam por invisibilizar o latifúndio, a luta do MST expõe a chaga de sua existência, e prenuncia o seu fim.
*Rafael Villas Bôas é professor da Universodade Federal de Brasília (UnB).
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Foto: No último dia 21/02, um ato político marcou a resistência e a luta do Acampamento Dom Tomás Balduíno