“Esse esquema [de misturar público com privado] começou em 1808, quando a família real [portuguesa] veio ao Brasil e ficou hospedada na casa de um grande traficante de escravos”
Por Amanda Audi, na Gazeta do Povo
A Gazeta do Povo conversou com dois procuradores que compõem a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que investiga os casos desvendados pela Operação Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol. Na conversa, eles dizem que a expectativa é que, assim que a apuração da Petrobras acabar, comece a de “outro órgão”. O esquema de corrupção que intercala público e privado, segundo eles, acontece “desde sempre” no Brasil e não está ligado a partidos, mas sim a uma “forma de governar”.
A Lava Jato começou com a investigação de doleiros e foi crescendo. Agora está na Petrobras. Quando terminar essa parte, outros casos serão investigados?
Lima – Todos eles estão sendo tocados concomitantemente. Nós somos em nove procuradores distribuídos para todos os casos. Quando acabar a [investigação da] Petrobras, porque um dia vai acabar, nós esperamos ter chegado em outro órgão.
No início das investigações, o MPF usou um gráfico que explicava a interligação entre os doleiros. Nesse gráfica apareciam as obras da refinaria Repar, no Paraná. As primeiras suspeitas vieram dali?
Lima – Não. O caso [da refinaria] de Abreu e Lima [em Pernambuco] era mais evidente no começo. E então se verificou que a situação acontecia em outras [refinarias]. O caso da Repar é um dos principais motivos para se firmar competência do caso como um todo no Paraná. Foi verificado que já existia [um inquérito policial] sobre a Repar e foi trazido para a força-tarefa .
Comparando o casos da Repar e de Abreu e Lima. O de Abreu e Lima foi muito mais escandaloso que a Repar? Ou a Repar só não foi tão investigada ainda?
Lima – O esquema é o mesmo. É que Abreu e Lima foi uma refinaria construída do zero, enquanto a Repar eram obras diversas.
Por isso os valores são mais baixos?
Lima – A diferença é essa, basicamente. E como não se construía refinarias há muito tempo no Brasil, não havia muito parâmetro claro, quando foi feito Abreu e Lima, Comperj, então isso tudo propiciou o esquema mais fácil.
Dallagnol – Mas é exatamente o mesmo esquema.
Dá para considerar que o berço da Lava Jato é o Paraná, ou mais especificamente a região Norte do estado [conforme material divulgado recentemente no site oficial da investigação]?
Dallagnol– Sim.
Lima – O berço é onde está o Alberto Youssef [que é de Londrina].
Foi ele quem organizou o esquema todo, a partir do [ex-deputado] José Janene?
Lima – Você teria que regredir para dizer que o esquema político passa pelo Janene. Porque o Alberto é da parte do esquema de lavagem de dinheiro, no esquema de crimes financeiros. Na parte política, o Janene era o pivô. E os dois são de Londrina. Apesar de que eu não gosto de fazer essa… É meio desagradável.
Mas se considerarmos que nessa região começou tudo, a gente pode suspeitar que o mesmo esquema possa ter sido replicado em contratos de prefeituras da região?
Lima e Dallagnol – Não.
Mas há casos parecidos na região…
Dallagnol – Sim. Mas em todo o país há casos parecidos. Esse esquema começou em 1808, quando a família real [portuguesa] veio ao Brasil e ficou hospedada na casa de um grande traficante de escravos.
Lima – A Quinta da Boa Vista [residência da família real no Rio de Janeiro] era na verdade a propriedade de um grande traficante.
Dellagnol – Aí começou a confusão do público-privado. Existe uma suspeita de que esse esquema que está sendo apurado na Petrobras existe em todo o país, de um modo mais generalizado. Não se pode dizer que o esquema funcione em todos os municípios, porque depende da gestão. Não dá para fazer uma inferência dessas.
Há algo parecido ao esquema em prefeituras?
Dallagnol – Com relação a Londrina, eu desconheço.
E em outras cidades?
Lima – Nós temos evidências em fundos de pensões municipais, mas não dá nem para dizer que são do Paraná. Está espalhado em diversos estados.
Não parece que esses escândalos são prolongamentos uns dos outros, que todos estão interligados?
Lima – Na verdade, os esquemas são sempre muito parecidos. Você tem alguém que lava dinheiro e um corrupto que precisa lavar. Mas como uma pessoa lava e quem é essa pessoa [é a diferença]. O Alberto Youssef é um deles e talvez o mais conhecido. Mas talvez não seja o maior.
Dellagnol – O que aconteceu também é que o Youssef se especializou. Ele era um doleiro que fazia diversas atividades para inúmeras pessoas, troca de dólares de balcão, operação dólar-cabo. E, com o passar do tempo, ele acabou se especializando, com uma atuação mais relacionada a empreiteiras e agentes públicos.
Alguns agentes da Polícia Federal comentam que hoje está mais fácil para roubar “na cara de pau”, que seria uma característica do governo do PT…
Dellagnol – Não, não tem cunho partidário nisso aí. Não dá nem para afirmar que é uma coisa do governo atual. Aconteceu muito no governo atual, mas não dá para dizer que é só no governo atual. Se trocar um por outro, não boto a mão no fogo pra dizer que não vai acontecer de novo.
Lima– Existem até livros que dizem que a promiscuidade entre governo federal e empreiteiras ocorre desde a construção de Brasília. Tem gente que diz que as privatizações são uma grande operação de lavagem de dinheiro, que dentro aconteceu muito disso. Muita história corre. O fato é que no momento existe um governo, e nós estamos investigando fatos atuais. Mas dizer que isso é exclusivo de alguém, eu não acredito. Eu pessoalmente acho que é uma forma de governar o Brasil. Muda o partido, mas continua da mesma forma.
Há previsão de quando as ações de improbidade administrativa da Lava Jato vão sair?
Dellagnol – A ação de improbidade não é criminal. Estamos para propor as ações e elas terão certo paralelismo com as denúncias que oferecemos em dezembro.
Qual paralelismo? As mesmas empresas?
Lima – Não exatamente todas ao mesmo tempo. Há algumas questões técnicas. Mas são espelhos das que já propusemos. Só não serão todas ao mesmo tempo. Ou uma por semana, não temos obrigação de fazer um pacote.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zuleika Nycz.