Youssef sem fantasia, por Janio de Freitas

É no mínimo discutível a competência de procuradores da República para pedir a redução de sentença por motivos ligados a processo alheio à ação em julgamento

Por Janio de Freitas, na Folha

Alberto Youssef, o doleiro, não poderá sair em um bloco deste Carnaval. Nem mesmo no Bloco da PF, que já saiu em outros tempos e não sei se sairá neste ano. Pena a ausência de Youssef, porque ninguém mais adequado para trazer de volta, como tantos foliões têm feito na reanimação do Carnaval, uma das fantasias divertidas e esquecidas no passado das ruas. Youssef de anjinho endolarado poderia ter sua graça.

Se não terá fantasia, nem por isso Youssef perde a imagem de merecedor de deferências entre os lançados no inferno dos corruptos, também conhecido como cadeia da Polícia Federal em Curitiba. A experiência não é propriamente nova para Youssef. Doleiro é a denominação gentil para traficante de dólar, ou contrabandista de dinheiro, atividade criminosa que deu a Youssef um papel de destaque no escândalo de muita corrupção do Banestado, o Banco do Estado do Paraná.

Em razão desse papel, desde então Youssef deveria ter perdido todos os Carnavais. Mas pôde poupar-se de um longo pedaço de sua vida em presídio por receber do Ministério Público Federal –uma espécie de serviço de promotorias federais– os benefícios da delação premiada. Contou certas coisas aos procuradores do MPF e recebeu a retribuição de dispensa da condenação que o Código Penal lhe destinaria.

Mas os anos de bem vivida liberdade interromperam-se há dez meses. Encarregado, em troca de comissões, do tráfico de dólares daqui para contas externas de corruptos da Petrobras e de contas externas de empreiteiras para fazer corrupção aqui, Youssef veio a desempenhar outro papel importante: tornou-se o chamado “fio da meada”, cujos negócios levaram à identificação e prisão dos primeiros incluídos na Lava Jato.

Tragédia para Youssef? Não. Um período aborrecido, digamos. Outra vez as graças da delação premiada o escolhem, endereçadas pelo Ministério Público. Embora, isso é interessante, Alberto Youssef não fizesse jus à premiação: livre, voltou à mesma atividade criminosa que a delação premiada lhe exigira abandonar.

Na última semana, uma deferência extraordinária brindou Youssef mais uma vez: a incisiva força-tarefa da Lava Jato pediu que a pena de Youssef em processo de crime financeiro (não com Petrobras) seja reduzida pelo juiz à metade. Como reconhecem os autores do pedido, Youssef não deu colaboração alguma nesse processo, logo, não teria prêmio de delator. O corte de metade da pena –o que provavelmente resultará em ausência de punição– é pedido porque “colaborou” em outros processos. Nos quais já a delação premiada trocara punição por liberdade.

Em 9 de dezembro último, o procurador-geral da República fez um pronunciamento lido, com a afirmação de que “ninguém se beneficiará de ajustes espúrios, isso todos temos de ter certeza. (…) A decisão é ir fundo nas responsabilizações civil e criminal”. A fisionomia e o tom de Rodrigo Janot não eram de quem dava ao país uma garantia, até desnecessária. Eram de quem respondia, muito irritado, ao artigo, na Folha, em que o jurista Miguel Reale Jr. acabara de arrasar doutrinária e moralmente o uso da delação premiada.

É no mínimo discutível a competência de procuradores da República para pedir a redução de sentença por motivos ligados a processo alheio à ação em julgamento. Assim como será discutível que um juiz a conceda. E nenhum dos dois casos corresponde à “certeza” que, no desejo do procurador-geral, “todos temos de ter”.

Desde os vazamentos iniciais da Lava Jato, seguindo-se os tantos outros sob a mesma aparência de atos dirigidos, e não de apenas informações devidas à opinião pública, o desenrolar desse escândalo deixa manchas, a que não faltaram nem acusações, públicas e graves, depois muito mal corrigidas. Como se fosse apenas um “bom dia” dado à noite.

Há muitos “ouvi dizer”, contradições e meias informações a granel, no que transborda do inquérito. A alguém e a interesses isso sempre acaba servindo. Não à Justiça pendente de investigações, que delações premiadas não substituem, nem à democracia e ao país transtornado pelo escândalo.

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