Lideranças e guerreiros Munduruku seguem com a autodemarcação do território Daje Kapap Eypi, localizado no Médio Tapajós, municípios de Itaituba e Trairão, oeste do Pará e encontram problemas nesta empreitada. As empresas e o governo que estão envolvidos com os projetos das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, já sabemos que estão interessadas nos potencial energético dos rios da Amazônia e, portanto, não compactuam com a legitimação do território Munduruku, pois indicaria a necessidade do comprimento da Convenção 169 da OIT (que garante às populações tradicionais uma consulta prévia livre e informada), o que afirmou a então presidente da Funai Maria Augusta Acirrati em conversa com os Munduruku.
Não bastasse essa grande barreira a uma resistência que não quer estes projetos hidrelétricos, há vários tipos de grileiros na área que compreende o território Daje Kapap Eypi, o grupo que está no processo de demarcação já encontrou alguns deles como bananeiros e madeireiros. Até então não houve relato de conflito físico, porém alguns indígenas alertam para os riscos destes encontros, uma vez que estes homens andam armados e a maioria não está aberta ao diálogo.
“Falaram que a roça era deles, né. Nós explicamos que a terra era indígena e que estávamos ali demarcando. Então o Juarez (cacique da aldeia Sawré Muybu) disse pra eles usarem a roça já feita, mas que dali pra diante não roçarem nem um palmo. Mas dali eles fizeram a roça e dessa roça eles aumentaram o bananal mais pra cima. Não era pra passar, mas eles passaram mais de 500 metros. Então eles mesmos entraram, por conta deles, na nossa terra. Eles tão sabendo que a terra é nossa.” Conta Seu Valter, cacique da aldeia Dace Watpu, sobre o encontro com bananeiros durante a autodemarcação.
Cacique Juarez cobra presença do ICMBio
Como já sabemos o território Daje Kapap Eypi fica dentro da Floresta Nacional de Itaituba II (FLONA de Itaituba II) e é vizinho do Parque Nacional da Amazônia (PARNA da Amazônia) e da Flona de Itaituba I, que são unidades de conservação, instituídas a partir do Sistema de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC que deveriam ser geridas pelo governo, mais especificamente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.
“Porque esses madeireiros vem do sul, não sabemos quem são, é por isso que queremos pedir ao ICMBio que nos acompanhe no final dessa demarcação já que essa também é uma área de proteção”. Foi o que disse Cacique Juarez, no final do mês de janeiro em sua aldeia Sawré Muybu, quando saía para Brasília para mais uma vez lutar pelo seu território perante os meios jurídicos.
O Instituto Chico Mendes foi fundado pela LEI Nº 11.516, de 28 de agosto de 2007 e tem, em resumo, fiscalizar e monitorar as unidades de conservação instituídas pela União. Os relatos mostram que este órgão aparece raramente na área das aldeias para discutir e construir uma gestão colaborativa com a comunidade, como especifica o Art. 5º § 3° da Lei No 9.985, de 18 de julho de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza,que devem ser asseguradas a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
Plano de Manejo de floresta nacional de Itaituba favorece as hidrelétricas
Ainda de acordo com a Lei 9.985, o plano de manejo é um documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos de gerais e uma Unidade de Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais. A Ele é indispensável para qualquer unidade de conservação, pois precede o acordo de gestão que deve ser criado e planejado a partir de um ciclo de pesquisas e decisões coletivas que tenham por base questões ambientais, socioeconômicas, históricas e culturais que caracterizam uma Unidade de Conservação e a região onde esta se insere, como nos informa o site do ICMbio .
Todas as unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo, que deve abranger a área da Unidade de Conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica social das comunidades vizinhas (Art. 27, §1º lei Lei Nº 9.985/2000).
Segundo o site do ICMBio, esta mesma lei ainda define a FLONA como de posse e domínio público e as áreas privadas dentro de seus limites devem ser desapropriadas; prevê também a existência de um Conselho Consultivo, constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e, quando for o caso, das populações tradicionais residentes no local.
Ou seja, este planejamento não se resume a um grupo de pesquisas técnicas e sim a um processo contínuo de elaboração, revisão e planejamento desta unidade de conservação, gerido por uma equipe direcionada apenas a isso.
Dentro do plano de Manejo da Flona de Itaituba II, percebemos que os trabalhos de pesquisa estão se dando conjuntamente com os grupos de pesquisa do impacto ambiental do complexo de usinas hidrelétricas do Tapajós previsto e ignorando as aldeias Munduruku que estão dentro da área da Flona.
“Nunca vieram aqui não. Nós até já chamamos eles pra cá, pra participar de uma assembléia Munduruku. Juntamos um bocado de coisa pra mostrar mas não vieram não”, afirma José, jovem da aldeia Sawré Muybu.
O ICMbio assim como a FUNAI se ausenta das suas prioridades administrativas de gestão, planejamento e proteção destas unidades de conservação e das comunidades Munduruku que nela habitam secularmente, sem construir a devida transparência e sob custódia de empresas privadas terceirizadas na realização de pesquisas tendenciosas e incompletas. Perguntamos-nos quais seriam os parâmetros para a presença mais atuante destes órgãos às portas de conflitos tangentes na região?
–
Foto: Daje Kapap Eypi: Autodemarcação agora disputa com grileiros de terra