Cimi Regional Sul
Mais de 150 lideranças indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani reunidas nessa segunda (9) e terça-feira (10) na Terra Indígena Toldo Chimbangue para a primeira Assembleia Estadual dos Povos indígenas de Santa Catarina, divulgaram documento denunciando a paralisação dos procedimentos demarcatórios pelo Governo Federal, e exigindo a imediata demarcação das terras indígenas em todo o país.
As lideranças ressaltaram os interesses do agronegócio e de políticos que atuam diretamente contra os direitos indígenas, por meio de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição, como a PEC 215 – já desarquivada pela Câmara dos Deputados. Foi evidenciada ainda a especulação das riquezas naturais dos territórios indígenas pelos poderes econômicos, fazendo-se urgente a autodeterminação dos povos na defesa de seus direitos à vida e a terra.
A situação de completo descaso governamental com a saúde indígena foi avaliada pelas lideranças, que elencaram no documento diversas exigências a serem providenciadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), principalmente a disponibilização de recursos financeiros para manutenção do sistema.
Também foi lembrada a necessidade de uma educação escolar indígena que respeite as particularidades de cada povo e cultura, com respeito aos saberes tradicionais. Da presidente Dilma Rousseff foram cobrados o cumprimento de todos os compromissos feitos durante a campanha eleitoral e a garantia do respeito aos direitos humanos, e dos indígenas enquanto cidadãos com coletividades étnicas e culturalmente diferenciadas. Leia o documento na íntegra:
I Assembleia Estadual dos Povos Indígenas
Terra Indígena Toldo Chimbangue – Chapecó – SC
Nós, mais de 150 lideranças, professores, agentes de saúde dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani, do estado de Santa Catarina, realizamos nos dias 9 e 10 de fevereiro de 2015, na Terra Indígena Toldo Chimbangue a primeira Assembleia Estadual dos Povos indígenas de Santa Catarina.
Neste encontro, além de discutirmos temas que vão ao encontro de nossa realidade, lembramos os trinta anos da demarcação da Terra Indígena Toldo Chimbangue. Lembramos a luta enfrentada pelos Kaingang na conquista deste território. Luta esta, que foi fortemente reprimida por aqueles que não reconheciam nossos direitos. Lembramos neste encontro, dona Ana, mulher Guerreira, que nunca mediu esforços para que um dia pudéssemos reconquistar o que foi roubado, usurpado pelos colonizadores. Dona Ana, onde tu estás, deve estar orgulhosa de ver os filhos dessa terra darem continuidade a luta e o sonho por um mundo melhor, com justiça social e uma melhor qualidade de vida.
Nestes dois dias foi possível perceber através das mesas de discussões, a difícil situação enfrentada por nós. Queremos destacar a grave situação de desrespeito aos nossos direitos. Analisando a conjuntura indigenista no atual momento, percebemos os impactos dos Projetos de Emenda Constitucional que ferem nossos direitos, ameaçando profundamente nossas vidas, e as vidas de nossos filhos. Formulamos nossas prioridades e estratégias de intervenção diante dos graves desafios relacionados à: violência contra os povos indígenas; demarcação de nossas terras, proteção, gestão e sustentabilidade das terras indígenas; atenção à saúde; educação escolar indígena e a afirmação e o respeito aos nossos valores culturais.
Denunciamos a ofensiva dos interesses do agronegócio, do latifúndio, de políticos contrários aos nossos direitos, dos poderes econômicos sobre as nossas terras e de nossas riquezas (naturais, hídricas, e da biodiversidade), proclamamos a nossa determinação de defender os nossos direitos, principalmente quanto à vida e a terra.
Denunciamos o desrespeito que o governo Federal está tendo quanto à demarcação de nossas terras. Onde os procedimentos demarcatórios estão em sua maioria paralisados, em algumas áreas sem impedimento Jurídico algum.
Viemos a público manifestar a nossa indignação e repúdio na morosidade e descaso com que estão sendo tratadas as políticas públicas que tratam dos nossos interesses e aspirações. Indignamos com a forma com que o governo Federal vem tratando a Saúde Indígena. O descaso no atendimento e a falta de remédios.
Reiteramos ainda a importância da fé e da luta em nossos antepassados, anciãos e caciques, lideranças que mantêm firme o ânimo e a coragem para que continuem unidos na diversidade e na luta acima de suas diferenças, e pela garantia de nossos direitos, que são assegurados na Constituição Federal, tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Queremos cobrar a presidente Dilma Rousseff o cumprimento de todos os compromissos firmados à época de sua campanha eleitoral, garantindo o respeito aos direitos humanos, a justiça social, a sustentabilidade ambiental e social, respeitando os indígenas enquanto cidadãos com coletividades étnicas e culturalmente diferenciadas.
Sendo assim propomos:
Gestão territorial:
A imediata demarcação de todas as terras indígenas.
Criação de políticas de desenvolvimento da agricultura indígena.
Criação de cooperativa para execução de políticas públicas que beneficiem a todos.
Fortalecimento do artesanato indígena com programas específicos para geração de renda.
Na Educação Escolar Indígena:
Que aconteçam mais cursos de capacitação no estado;
Ampliação dos cursos de formação para habilitação dos professores indígenas;
Que seja respeitada a diversidade política e lingüística nas escolas indígenas;
Que tenha uma representação indígena na Gerência Regional de Educação, para trabalhar com as escolas indígenas;
Que seja reativado o núcleo de educação indígena (NEI) para ter maior participação dos índios na organização das Escolas Indígenas;
Criação de uma organização de professores indígenas (Associação);
Que o governo ofereça recursos para a elaboração e publicação de materiais didáticos para as escolas indígenas;
Que a lei da educação escolar indígena seja realmente colocada em prática no estado;
Que a organização da escola indígena seja feita de acordo com as necessidades da comunidade indígena e da escola indígena;
Que nosso professores sejam valorizados e respeitados;
Que a língua Kaingang seja de fato respeitada dentro e fora da escola indígena;
Que aconteça capacitação para os professores e funcionários indígenas sobre a legislação indígena;
Que no calendário das escolas indígenas sejam respeitados os feriados culturais;
Que seja respeitado e discutido na escola sobre o que está sendo ensinado sobre a diversidade cultural indígena;
Que a escola indígena seja pensada pela comunidade que atenda a cultura indígena e seus valores;
Reunião de professores para criação de organização no mês de abril;
Perspectiva e desafios da saúde indígena:
A empresa contratante deve disponibilizar/ oferecer capacitação específica quando o profissional for contratado;
Criar/manter um programa de capacitação continuada;
Realizar planejamento das ações por parte dos gestores juntamente com as comunidades indígenas;
Rever recursos para complementar a compra dos exames básicos para os municípios, uma vez que a cota dos municípios é baixa;
Melhorar as parcerias nas 3 esferas do governo para rever os recursos para aquisição das especialidades de média e alta complexidade;
Garantir recursos para aquisição de medicamentos fora da lista básica;
Garantir recursos específicos para aquisição de consultas e exames especializados, quando estes não disponíveis no SUS, incluindo as odontológicas;
A empresa contratante deve disponibilizar os EPIs para AIS e AISAN;
A Sesai deve realizar a formação profissional dos AIS e AISAN;
Realizar com as Secretarias municipais de Saúde reuniões aproximando/ melhorando o atendimento da saúde indígena;
Inserir em todas as aldeias a fitoterapia, reconhecendo os indígenas qualificados na área;
Melhorar as parcerias Sesai, Secretaria municipal de saúde e Secretaria Estadual de saúde com reuniões sistemáticas;
Garantir recursos para adquirir os insumos para manipulação das ervas medicinais;
Garantir os recursos para aquisição e criação de espaços adequados para manipulação de fitoterápicos;
Garantir recursos para prótese dentária parcial e total;
Rever a empresa contratante dos motoristas e serviços gerais, quanto às responsabilidades profissionais e ao não diálogo com lideranças indígenas, Conselho Local de Saúde e EMSI;
Contratar um profissional coordenador dos motoristas;
Garantir da Sesai recursos financeiros para aquisição de materiais educativos/ projetores, material audiovisual;
Garantir da Sesai recursos financeiros para aquisição de meios de comunicação nas aldeias e pólo base (computadores, telefones, internet);
Que haja transparência dos recursos financeiros quanto é repassado, onde e quanto foi gasto. Sesai fazer prestação de contas semestralmente aos Conselhos Locais de Saúde;
Aproximar o presidente do Condisi aos Conselhos Locais de Saúde;
Na aquisição de viaturas para a saúde indígena que seja observada a realidade local (Carro popular);
Garantir material permanente para os postos de saúde;
Garantir recursos para manutenção dos postos de saúde (equipamentos e área física);
Garantir recursos para concertos de pneus das viaturas;
Garantir recursos para aquisição de novos equipamentos odontológicos;
Buscar junto aos órgãos competentes a construção de postos de saúde;
Garantir da Sesai a continuidade no fornecimento dos insumos odontológicos, a fim de evitar o desabastecimento e a descontinuidade das ações;
Garantir da Sesai a continuidade do fornecimento de todos os medicamentos da lista básica a fim de evitar o desabastecimento e a interrupção dos tratamentos;
Solicitar aos municípios que sejam repassados aos Conselhos Locais de Saúde os valores gastos com a saúde indígena;
Contratar um profissional psicólogo para cada pólo base;
Contratar um profissional fisioterapeuta para cada pólo base;
Contratar um profissional farmacêutico para o pólo base de Chapecó;
Ampliar as vagas de motorista para cumprir as jornadas de trabalho;
Realizar curso de primeiros socorros para os motoristas;
Contratar o profissional de serviços gerais para o pólo base de Ipuaçú;
Garantir a autonomia financeira do DSEI.
Terra indígena Toldo Chimbangue, 10 de fevereiro de 2015.