Por Marcela Belchior, em Adital
Apenas um mês após fazer contato com aldeia próxima, contraíram gripe três indígenas isolados forçados a deixarem sua terra pelo avanço da extração de madeira, na região noroeste do Estado do Maranhão, no Brasil. Amakaria, Jakarewỹj e Irahoa, pertencentes ao povo Awá, viviam isolados na Terra Indígena (TI) Caru havia cerca de 30 anos. No fim do ano passado, entretanto, eles retornaram para antiga aldeia e acabaram contraindo o vírus, para o qual não têm imunidade.
O contato foi feito no último dia 27 de dezembro. Os três indígenas foram vistos por outros Awá, que caçavam na cabeceira de um igarapé. Dispostos a restabelecerem comunicação com eles, retornaram para a aldeia e voltaram com mais duas dezenas de membros da tribo. Os isolados acabaram regressando para a aldeia com eles, onde viviam até meados dos anos 1980. Na época, os três haviam se recusado a continuarem vivendo com seu povo após um contato feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e optaram pela autonomia do isolamento, voltando para a floresta no meio da noite.
O caso foi divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Segundo a entidade, que esteve na aldeia dos Awá, no período de 07 a 09 de janeiro deste ano, os isolados estavam cercados por madeireiros, que abriram trilhas pela mata e já haviam marcado árvores para a derrubada. “Então, dissemos: vamos com a gente, senão os madeireiros vão matar vocês. Aí, eles vieram”, relatou Mihaxa’a, membro da tribo, ao Conselho.
A terra onde os isolados viviam comporta uma grande área de coco babaçu, de onde provinha parte da alimentação dos indígenas isolados. Aponta o Cimi que eles também caçavam aves e possuíam considerável acervo de flechas e adornos feitos com as penas dos animais. Feito o contato, Irahoa foi levado de carro pela Funai para a aldeia Tiracambu, onde já foi tomado como esposo de uma índia. Já as duas mulheres, Amakaria e Jakarewỹ, estão vivendo em uma casa na aldeia dos próprios Awá.
Vetores de contágio
O que ocorre é que na região onde estão vivendo há muitos vetores de contágio de doenças. Em entrevista à Adital, Rosana Diniz, conselheira do Cimi Regional Maranhão, alerta que estão em contato frequente com os indígenas alguns trabalhadores da mineradora multinacional Vale, que constroem postos de saúde próximo às aldeias para mitigar os impactos da extração de minério. No início deste mês, o Cimi já havia advertido que as obras da mineradora deveriam ser interrompidas por pelo menos 40 dias, dada a presença dos indígenas recém-contatados nas aldeias.
Além disso, Rosana afirma que moradores de povoados próximos, que seriam incentivados pela própria Funai a trabalharem no plantio dentro das aleias, convivem com os indígenas sem utilizarem instrumentos que previnam contaminação, como máscaras e luvas. “O que soubemos pela Funai é que essas pessoas foram imunizadas, sobretudo os trabalhadores da terceirizada da Vale, mas a gente não tem como comprovar”, observa a conselheira.
“A última informação que tivemos de lá veio de um dos médicos que atendem na região. Disse que eles contraíram gripe e que estavam sendo medicados, mas que a situação estava estável”, relata a conselheira à Adital. Segundo o Cimi, a iniciativa dos Awá que viviam isolados na TI Caru de aceitarem fazer comunicação com os demais Awá acontece num momento em que cresce a exploração e degradação ambiental nas terras indígenas no Maranhão.
Quem são os Awá
Os Awá vivem no Maranhão, mas também no vizinho Estado do Pará. Acredita-se, no entanto, que eles tenham origem na região do Baixo Tocantins, pertencendo a um grupo étnico mais amplo, separado pela expansão luso-brasileira na área. São nômades e vivem principalmente da caça e da coleta.
Grande parte deles está em contato com a Funai desde 1973, sob o argumento do governo brasileiro da necessidade de facilitar o atendimento médico e a segurança alimentar do grupo. Os Awá são vítimas recorrentes de invasão de território por pecuaristas, agricultores e madeireiros, o que, muitas vezes, provoca conflitos violentos.
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Marcela Belchior é jornalista da Adital. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estuda as relações culturais na América Latina. E-mail: [email protected] e [email protected].
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Foto: Antes isoladas, as indígenas Amakaria, Jakarewỹj voltaram para antiga aldeia, onde vivem em casa com periquitos de estimação. Foto: Cimi.