Nessa terça e quarta-feira (28), na Terra Indígena Re Kuju (Campo do Meio), no Rio Grande do Sul, foi realizado um encontro de lideranças Kaingang de 16 comunidades indígenas do estado, para dar continuidade ao processo de mobilização e reflexão comunitária Kaingang, reafirmando princípios e valores que norteiam o bem viver Kaingang, latente na sua cosmologia. O evento teve o objetivo de enaltecer e afirmar a posição ética das lideranças indígenas Kaingang do Rio Grande do Sul em suas relações com a sociedade, o Estado, a natureza e a sobrenatureza recepcionadas em categorias como o bem viver.
Estiveram presentes as lideranças das Terras Indígenas (TI) Re Kuju (Campo do Meio), Ketyjug Tegtu (Três Soitas, Santa Maria), Rio dos Índios, Xingú, Lajeado do Bugre, Forquilha, Monte Caseiros, Mato Castelhano, Kandóia, Faxinal, Pontão, Inhacorá, Votouro, Iraí, Serrinha, Ligeiro e Ventarra. Representantes do Ministério Público Federal em Passo Fundo, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) Regional Sul e do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) Sul também participaram do encontro. Leia o documento elaborado pelos indígenas:
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Analisamos a política anti-indígena que está em curso no Brasil e avaliamos que isso repercute na paralisação dos processos demarcatórios em nossa região. Enquanto isso, nós, povo Kaingang, e o povo irmão Guarani, continuamos em situação de acampados e sofrendo ameaças, atitudes de racismo e discriminação e a consequência da falta de atendimento básico que levam à situação de miseráveis. Tal situação é agravada pela ação de deputados, prefeitos, organizações representativas de agricultores e outros políticos interesseiros que estimulam atitudes preconceituosas e incitam a violência contra os Kaingang.
Denunciamos que nossas comunidades indígenas sofrem com a violência, com o preconceito, com a discriminação, com a criminalização de nossas lideranças e com a situação de miséria, tudo estimulado pelo atraso e a falta da conclusão das demarcações das terras de ocupação tradicional.
Denunciamos as prisões arbitrárias e infundadas das lideranças Kaingang da TI Kandóia e as ações truculentas e violentas da Polícia Federal sobre a comunidade.
Constantemente nossos direitos sofrem ataques. Nossas terras, nossos territórios, já degradados pelo capitalismo (monoculturas e o uso de agrotóxicos), não estão sendo demarcados conforme manda a Constituição Federal nos artigos 231 e 232, reiterada pela Convenção 169 da OIT e a declaração sobre os Povos Indígenas da ONU.
Passado um ano não tivemos nossas exigências atendidas, conforme documento de lideranças Kaingang de 14 de fevereiro de 2014, passamos a reafirmar os mesmos compromissos, reivindicando o cumprimento da lei que defende o direito de acesso à nossa terra. Exigimos da Presidência da República, Ministério da Justiça e Funai que realizem a desintrusão da TI Rio dos Índios, façam o levantamento fundiário da TI Passo Grande da Forquilha, publiquem a portaria declaratória da TI Kandóia e da TI Irapuá, concluam os laudos antropológicos e publiquem os relatórios das TIs Xingú, Morro do Osso e Mato Castelhano, conclua a analise dos relatórios prévios das TIs de Lajeado do Bugre, Pontão, Carazinho e crie Grupo Técnico de Trabalho (GT) para a identificação e delimitação das mesmas. Exigimos GT de identificação e delimitação para TIs Campo do Meio, Faxinal e Ketyjug Tegtu (Três Soitas, Santa Maria) e GT para revisão de divisas da TI de Ventarra, Iraí, Monte Caseiros e Inhacorá e outras, que já estão sendo solicitados há anos.
Nós, lideranças indígenas Kaingang também exigimos do presidente da Funai explicações do porque o cronograma de ação da Funai construído em Passo Fundo em dezembro de 2011 não foi concretizado, assim como justificativas de o porque que nenhuma informação clara se materializou para as TIs após a elaboração deste. Queremos ver passos concretos e ações claras em nossas reivindicações, inclusive com previsão orçamentária nos recursos públicos para a realização dessas ações, isso até fins de fevereiro de 2015, caso isso não aconteça, o povo Kaingang está organizado e articulado para concretizarmos nossos direitos. Estamos prontos para parar o Brasil e ocuparmos os nossos territórios.
Por fim, nós lideranças não aceitamos sob hipótese nenhuma negociar nossos direitos à terra, abusos de poder e coerção de nossas lideranças e nem aceitamos propostas de redução dos nossos territórios tradicionais.
Campo do Meio, 27 de janeiro de 2015.