Nicole Froio – Rio On Watch
Um documentário produzido pela organização Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA) documentou o impacto da Copa do Mundo de 2014 nas mulheres do Rio de Janeiro. Em um curta de 20 minutos, entrevistas com 14 mulheres cariocas revelam como foi o mês do mega-evento para vendedoras de rua, empreendedoras, prostitutas, ativistas, artistas e moradoras das favelas.
Para algumas mulheres, o mega-evento teve impacto ruim: prostitutas e vendedoras de ruas acabaram ficando com prejuízo durante o campeonato. Para outras, a cidade ficou na mesma apesar de promessas do governo que todos se beneficiariam com o campeonato. O embranquecimento do Brasil durante a Copa também foi um assunto discutido, assim como a exploração do corpo feminino para atrair turistas a Cidade Maravilhosa.
Em uma entrevista com RioOnWatch a diretora do documentário Amanda Palma e a coordenadora geral da CAMTRA Eleutéria Amora explicaram um pouco sobre o objetivo do documentário e como ele foi feito. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
De onde surgiu a idéia de fazer o documentário?
Amanda Palma: A iniciativa foi toda por parte da CAMTRA, que tem como objetivo difundir informação que beneficia a luta pelos direitos das mulheres.
Eleutéria Amora: A ideia do documentário surgiu porque queríamos que as mulheres falassem como suas vidas estavam sendo afetadas, com a organização da Copa no Brasil, e como era um mito que todas as pessoas, o país, ganharia muito com este mega-evento. De fato muitos ganharam, porém estas pessoas sem dúvida não foram as trabalhadoras.
Como foi o processo de escolher mulheres para entrevistar?
AP: As mulheres foram selecionadas em conjunto com a CAMTRA, que tem uma rede grande de mulheres que já são conhecidas da entidade, para que tivéssemos uma abordagem ampla, com mulheres de diferentes lutas. Temos mulheres de diversos movimentos sociais que vão desde o circo, ocupações e trabalhadoras de diferentes segmentos. Todas foram receptivas principalmente por confiarem no trabalho da CAMTRA, e saberem que suas falas não iriam ser distorcidas.
Porque é importante trazer visibilidade para o impacto que a Copa do Mundo teve na vida das mulheres?
AP: A grande mídia é muito parcial em anunciar os grandes eventos sempre como uma festa e principalmente uma oportunidade para enriquecer o país. Com isso percebemos que muitas pessoas ficam esperançosas com a possibilidade de “mudar de vida” durante este período. É importante refletir sobre exatamente qual fatia da população é beneficiada com estes acontecimentos.
EA: A ideia de uma cidade-négocio, e não de uma cidade para as pessoas. E, as mulheres são as mais afetadas, porque são elas que cotidianamente enfrentam todo tipo de problema e se deparam no seu cotidiano o déficit das políticas públicas. Por exemplo a creche, a dificuldade de acessar serviços públicos como educação e saúde. Então fica a pergunta: para quê investir em aeroporto, em grandes avenidas, segurança–para quem de fato são estes investimentos? São exatamente para uma elite que se mantém no poder e que provavelmente conseguiu comprar ingressos e assistir os jogos, porque para a população, não foi possível.
Muitas das mulheres falam sobre o embranquecimento da cidade durante a Copa. Porque vocês acharam importante ressaltar isso?
AP: Ressaltei tudo que eu considerei que foi mais marcante no discurso de cada uma, com cuidado para não tornar o documentário sobre a minha opinião, e sim sobre a delas. Essa questão do embranquecimento foi muito forte e citada por diversas mulheres. Quem conheceu o Brasil pelas imagens da Copa que veicularam pelo mundo, conheceu um país branco. Tanto nas propagandas da Copa, quanto no próprio público que estava nos estádios assistindo e torcendo, você quase não via pessoas negras. Essa segregação ficou bem evidente, visto que na realidade e nas ruas sabemos que o Brasil é um povo de maioria negra.
Uma das entrevistadas diz que o corpo da mulher brasileira é usado para vender o turismo brasileiro para o mundo e o documentário retrata as mulheres como trabalhadoras reais que são afetadas pelo evento em si. Esse foi o contraste que você estava procurando ao produzir o filme?
AP: Eu comecei a produzir o filme sem uma expectativa específica, apenas deixei as entrevistadas livres para colocar suas questões como quisessem. Ao fim acabou ficando bem claro este contraste, que é um exemplo de como funciona a sociedade machista. No caso da Copa, a mulher é super usada na mídia de forma sexualizada para “atrair” turistas para o país mas ao mesmo tempo a mulher trabalhadora é deixada de escanteio e não recebe os benefícios que vêm desses investimentos. Tivemos por exemplo, o caso da marca Adidas, que produziu camisetas com conteúdo machista, onde literalmente se oferecia o corpo da mulher brasileira como se esta estivesse aqui à disposição dos turistas. Graças à pressão de muitas críticas na internet, notas de repúdio de diversos movimentos sociais, e por fim do governo, a marca cancelou as vendas das camisetas. Isso foi fruto da união de muitas feministas fazendo com que o assunto fosse ouvido.
Qual é o impacto esperado do documentário?
AP: Acredito que todas as pessoas, principalmente as mulheres, podem observar os depoimentos das entrevistadas e procurar desenvolver esse senso crítico. Se perguntar os porquês de coisas que poderiam passar despercebidas, questionar… Como muitas mulheres falaram no documentário: Não basta ser mulher, tem que buscar conhecer, criticar, se unir, reclamar e exigir seus direitos e seu espaço na sociedade.
EA: Esperamos que sirva de inspiração para a luta, um apoio para uma reflexão sobre a situação das mulheres trabalhadoras neste pais; bem como um instrumento de luta.