Breve comentário sobre a violência no Pinheirinho

Leonardo Sakamoto

Estive em São José dos Campos (SP) por conta da violenta reintegração de posse da área da comunidade Pinheirinho neste domingo. A polícia militar proibiu a entrada dos jornalistas, limitando-os ao entorno, o que é sempre um mau sinal – sem a presença livre da imprensa, a sociedade recebe informações limitadas e a fiscalização dos atos do poder público torna-se capenga. Ou seja, esconde-se mais facilmente o que não se quer mostrar. Devo postar mais material aqui depois (estou fora por conta de assuntos pessoais – sim, tenho vida própria!), inclusive entrevistas com especialistas para analisar o que ocorreu.

Enquanto isso, conversei com juristas sobre dúvidas de colegas jornalistas a respeito do caso. Posto aqui (atenção, isso é uma análise ampla sobre a questão de desocupações. Cada caso tem suas peculiaridades que nós, jornalistas, teimamos em ter preguiça de considerar):

1) Ao receber uma ordem judicial, mesmo que formalmente correta, mas cuja execução possa colocar em risco a vida de pessoas, o Poder Executivo tem o dever de tomar todas as medidas para evitar esses excessos. E, caso acredite que seja impossível que pessoas saiam feridas ou com a dignidade vilipendiada, tem o dever de não cumpri-la e procurar alternativas;

2) A Constituição Federal proíbe servidores públicos de cumprir ordens judiciais quando, para a sua execução, tenham que cometer excessos. Acima do interesse particular está sempre a proteção da dignidade humana. Como a ocupação era antiga, cai por terra a questão da necessidade de urgência;

3) Ou seja, culpa do governo. Mas a Polícia Militar também não podia receber a ordem para paralisar a ação por parte da Justiça Federal. Teria que receber uma contra-ordem da esfera que deu a ordem de reintegração, a Estadual, seja da juíza ou do TJ-SP;

4) Considerando que havia conflito de competência, a Justiça Estadual deveria ter suspendido a ordem dada, após pedido da Justiça Federal;

5) O conflito devia ter sido decidido antes da ação pelo STJ ou STF (na noite de ontem, o presidente do STJ afirmou que a Justiça Estadual era competetente para tanto – por enquanto). Até lá, como não havia urgência (os envolvidos tinham aceitado uma trégua de 15 dias para uma solução pacífica), esperar seria uma opção de bom senso;

6) A desocupação nunca poderia ter começado em um final de semana, ainda mais em um caso antigo como esse;

7) Sobre a juíza que autorizou: a menos que se prove dolo, benefício próprio e interesses, ao contrário do que circula por aí, ela não pode ser denunciada ou punida por autorizar a desocupação que ocorreu em um final de semana. Sobre o pedido federal, ela vai alegar que não o recebeu oficialmente.

8 ) Pode-se acusar a PM/Governo de ter feito a reintegração apesar de ter amparo na Constituição para se negar a isso devido ao risco; não se pode acusar de não cumprir ordem federal, porque a contra-ordem deveria partir da Justiça Estadual. Que deveria receber o pedido federal e enviar ordem para suspender enquanto não houvesse decisão de competência.

Enfim, o que importa é que, ao final de tudo e de um dia para outro, o Brasil ganhou milhares de sem-teto, muitas pessoas feridas, crianças que viram seus pais levarem bala de borracha e, agora, acreditam menos ainda nas autoridades, e um terreno novinho para ser incorporado por construtoras. E a percepção de que, na dúvida, o Estado continua não agindo em prol do bem público.

http://blogdosakamoto.uol.com.br/2012/01/23/breve-comentario-sobre-a-violencia-no-pinheirinho/

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