Agostinho Manduca Mateus Muru Inu

Eu sou Kaxinawa e na minha língua sou Huni Kui que quer dizer Gente Verdadeira. Meu nome é Agostinho Manduca Mateus Kaxinawá, registrado no meu documento. Mas meu nome mesmo é Agostinho Manduca Mateus Muru Inu. Muru é meu nome indígena e Inu é o partido do povo a que pertenço. Os Huni Kui tem dois partidos: Inu e Dua. Inu quer dizer onça, povo da onça. Nasci em 1944, no Rio Tarauacá, no seringal Seretama.

Meu pai nasceu nas cabeceiras do rio Envira e minha mãe nas cabeceiras do rio Jordão, que é hoje o nosso rio Yuraiá. Era nesses lugares que meu povo vivia quando os caucheiros peruanos invadiram nossas terras.

Os seringalistas, que também foram outros invasores das nossas terras, vinham de vários estados do Brasil. Nesse tempo houve muita correria. Meu povo espalhou-se pelos vários rios do Acre. Muitos morreram em tiroteios e outros muitos de doenças. Com o passar dos tempos, fomos perdendo a memória da nossa cultura, bolando de um seringal para outro.

Até chegar no rio Envira. Quando eu era ainda mais novo, eu não tinha nenhuma memória das histórias do meu povo. O que eu sabia eram algumas cantigas de cipó que meu pai cantava. Quando cheguei no Envira foi que, pela primeira vez, vi festas katxanawa, txiri, bunawa e nixpu pima. Ali, os meus parentes ainda moravam todos juntos, como no tempo do shubuã (casa tradicional dos Huni Kui). Foi ali que tive contato pela primeira vez com as festas do meu povo, com a minha história. Isso foi no ano de 1963.

A partir de 1967, os Kaxinawa passaram a lutar pela reconquista de seus territórios. Andei 15 áreas indígenas falando da nossa luta pela terra. Mas eu não sabia quase nada da minha cultura, da minha memória, e percebi que isso era o mais importante para nos dar direito à terra.

Foi numa dessas viagens com Txai Terri (antropólogo Terri Vale de Aquino), visitando os Ashaninka do rio Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo (AC), que vi o quanto nossa cultura é nossa proteção, o nosso poder. Depois de uma longa reunião com os Ashaninka, eles nos convidaram para tomar cipó. Na nossa língua chamamos de Huni. Foi aí que o dono do cipó me disse:

“Você só fica falando dos patrões, da luta do seu povo… Cadê a sua história? O que você sabe de sua cultura? Aqui você bebeu caiçuma, tomou cipó, ouviu muitas histórias, muitas músicas… E você? Apresentou alguma coisa? Fica só andando pelo mundo, falando português. O que foi que você aprendeu da sua cultura? Se você não procurar desenvolver, aprofundar os seus estudos, você não deve mais sair de casa. Você não vai ter mais força pra andar no mundo.

Foi seguindo um conselho de huni que me interessei em aprender a pesquisar a história e a minha própria vida. Agora, estamos aqui, na aldeia São Joaquim, primeiro seringal da Terra Indígena Kaxinawa do Rio Jordão, lugar onde eu moro atualmente com minha família. Nós três unidos: eu, txana Romão e Miguel, com quem aprendi muitos conhecimentos do meu povo, para gravar CD com as músicas do Nixi Pac. Essa documentação é para o nosso futuro: nossos filhos e filhas, nossos netos e netas e todos os parentes de outras terras dos Huni Kui. Essas músicas fazem parte da nossa cultura, que estava quase finalizando, e que traz toda a sabedoria dos nossos antigos.

Fico feliz de ver os professores se interessando por este trabalho. Eu venho por minha própria conta, pesquisando e gravando  algumas coisas que vou aprendendo com esses mais velhos do que eu. Temos muita coisa para ser pesquisada e registrada. Temos músicas do batismo (Nixpu Pima), músicas da festa do gavião real (Txirim), músicas de caçada, de marisca… Temos muita coisa que está indo embora e que precisa ser registrada, para que nossos parentes não percam essa cultura, que é nossa mesmo.

Depoimento de Agostinho Manduca Mateus Muru Inu

publicado em “Huni Meka: Cantos de Nixi Pae” (2007) e

“Nixi Pae, o Espírito da Floresta” (2006).

 

A Comissão Pró-Índio do Acre agradece a Agostinho Muru Inu por seus ensinamentos. A identidade da CPI/Acre, hoje, em sua multiculturalidade, tem uma forte e importante contribuição deste líder Huni Kui, cujo espírito agora integra o universo da Rainha da Floresta.

http://www.cpiacre.org.br/1/index.php?option=com_content&view=article&id=162:agostinho-manduca-mateus-muru-inu&catid=35:noticias&Itemid=55

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