1838 – Quilombo de Manuel Congo

Em 1838, a região dos atuais municípios sul-fluminenses de Vassouras, Mendes, Paty do Alferes, Miguel Pereira e parte de Paracambi produzia 70% do café exportado pelo Brasil. Essa atividade exigia grande necessidade de mão-de-obra escrava, que era comprada em outros estados ou importada da África. Os preferidos eram os homens jovens, pois a maior parte do trabalho consistia em derrubar matas, plantar e capinar, o que requeria grande vigor físico.

Manuel Congo era um deles. Pertencia ao capitão-mor Manuel Francisco Xavier, dono de centenas de escravos (449, conforme inventário feito após sua morte, em 1840) e das fazendas Freguesia, Maravilha, além do sítio Cachoeira, em Paty do Alferes.

Em 5 de novembro o capataz da primeira matou a tiros um escravo que saíra da propriedade sem autorização. Revoltados, seus companheiros tentaram linchar o assassino, mas foram impedidos. E como nenhuma punição foi aplicada a ele, a revolta se instalou, então, nas duas fazendas. Por volta da meia-noite desse mesmo dia as portas das senzalas da fazenda Freguesia foram arrombadas e 80 negros que saíram delas, chegaram aos depósitos e se armaram com facões e uma velha garrucha. Depois se esconderam nas matas.

Na noite seguinte, na fazenda Maravilha, eles abriram as senzalas e soltaram os escravos nelas trancados, que se juntarem a eles. Depois arrombaram os depósitos de mantimentos, pegaram o que podiam carregar e se foram novamente. No caminho, ao passar por outra fazenda, libertaram mais escravos. Nessa altura dos acontecimentos eles já eram mais de cem, a maior parte armada com facões e outras armas cortantes (na ilustração, Manuel Francisco Xavier e sua esposa, Francisca Elisa Xavier).

Outros escravos também fugiram de várias fazendas da região tão logo tomaram conhecimento do que acontecia. Documentos históricos registram que em pouco tempo eles já eram de 300 a 400 fugitivos, que seguiram pelas matas a caminho da Serra da Taquara. Quem os liderava era Manuel Congo, que nesse momento deve ter se “juntado” com Mariana Crioula, de 30 anos, escrava nascida no Brasil. Costureira e mucama (escrava de companhia) da esposa do capitão-mor, ela era a “preta de estimação”, uma das escravas mais dóceis e confiáveis da sua patroa. Posteriormente os dois foram delatados como o “rei” e “rainha” do grupo de sublevados.

Os historiadores supõem que essa fuga poderia indicar o desejo de uma negociação futura por melhores condições de trabalho, algo que não era incomum na época. Isso porque os fugitivos não maltrataram os brancos nem tampouco causaram prejuízos aos outros fazendeiros, atacando apenas as propriedades do capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Mas o que certamente surpreendeu e amedrontou as classes dominantes foi o fato de ter havido uma fuga em massa.

Alarmado, o juiz de paz local solicitou ao primo Francisco Peixoto de Lacerda Vernek, coronel-chefe da 13ª Legião da Guarda Nacional, providências em prol “da ordem e do sossego público”.  Este reuniu 160 homens bem armados e partiu em perseguição aos revoltosos. Em seu relatório, Vernek diz que às 5 horas da tarde de 11 de novembro, depois de andarem algumas léguas, “sentimos golpes de machado e falar gente”. Haviam descoberto o grupo principal de fugitivos que avançava mais lentamente com crianças, velhos e mulheres. Ao perceberam que tinham sido alcançados, eles se prepararam para a luta. A tropa avançou angulada como uma cunha e exigiu a rendição de todos. Manuel Congo incitou um ataque. O coronel escreveu que os escravos “fizeram uma linha”, e pegaram as armas, “umas de fogo, outras cortantes”, e gritaram: “Atira caboclo, atira diabos”. Este insulto foi seguido de uma descarga que matou dois soldados e feriu outros dois. “Quão caro lhes custou! Vinte e tantos rolaram pelo morro abaixo à nossa primeira descarga, uns mortos e outros gravemente feridos”.

Os escravos então fugiram largando parte das armas; mas foram perseguidos pela força policial. Em seu relato, o coronel diz que “(…)”Notei que nem um só fez alto quando se mandava parar, sendo preciso espingardeá-los, pelas pernas. Uma crioula de estimação de Dona Francisca Xavier não se entregou senão a cacete, e gritava: morrer sim, entregar não!!!.”. Neste único combate foram presos o “rei’ Manuel Congo e a “rainha” Mariana Crioula, o mesmo acontecendo com os outros, nos dias seguintes. Muitos dos que conseguiram escapar vagaram pela floresta durante dias até que a fome os obrigou a voltar. Eles saiam das matas em direção a uma fazenda próxima a de sua origem, cujo proprietário fosse conhecido por tratar bem os escravos, e lhe pediam que os “apadrinhasse”, isto é, que os escoltasse de volta à propriedade de seu dono, e solicitasse ao mesmo que os perdoasse pela fuga.

Dos mais de 300 fugitivos, somente 16 foram levados a julgamento, todos eles escravos do capitão-mor Manuel Francisco Xavier, que assim foi indiretamente punido pelos outros fazendeiros por não ter controlado seus escravos e, conseqüentemente, ter balançado o frágil equilíbrio social da próspera região. Da manhã de 22 de janeiro de 1839 até o dia 31 do mesmo mês, o tribunal se reuniu na Praça da Concórdia, diante da Igreja Matriz da Vila de Vassouras. O julgamento foi presidido pelo juiz interino Inácio Pinheiro de Souza Verneck, irmão do juiz de paz José Pinheiro de Souza Vernek e, portanto, também primo do coronel Lacerda Vernek.

Ao que tudo indica, durante o julgamento decidiu-se não aumentar o prejuízo do capitão-mor, que já tinha perdido 7 escravos no combate. Pelo acordo feito, apenas o líder da rebelião seria condenado pela morte de dois soldados da Guarda Nacional. E como todos réus indicaram Manuel Congo como líder do levante, ele foi condenado ao enforcamento. Para outros 7 réus a pena foi de “650 açoites a cada um, dados a 50 por dia, na forma da lei”, e a “3 anos com gonzo de ferro ao pescoço”. A maior surpresa foi a absolvição de Mariana Crioula e todas as mulheres, certamente a pedido de sua proprietária Francisca Elisa Xavier. Entretanto, Mariana Crioula ainda foi obrigada a assistir à execução pública do seu companheiro Manuel Congo.

No dia 4 de setembro de 1839, Manuel Congo subiu ao cadafalso no Largo da Forca, em Vassouras. para cumprir sua “pena de morte para sempre”, isto é, foi enforcado e ficou sem sepultamento.

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