Leonardo Sakamoto
Não é exatamente a pobreza que gera a violência do tráfico. Este se beneficia de um ambiente em que a população foi esquecida pelo governo e pela sociedade, no qual os serviços públicos são precários, o acesso à Justiça é difícil e as forças de segurança agem muitas vezes como aqueles a quem deveriam combater. O tráfico, para ser violento, depende da desorganização local e da ausência de ações do poder público.
Drogas matam. Mas os óbitos por overdose ou em decorrência de crimes cometidos sob a influência de entorpecentes ilegais são a minoria dos casos. Registros policiais mostram que há mais homicídios relacionados ao consumo excessivo de álcool – que é uma droga permitida e vendida na TV – do que a qualquer outra. A forma como o tráfico se organizou é a principal razão dessa guerra, cujas baixas normalmente são homens, jovens, pobres, moradores de comunidades carentes, envolvidos direta ou indiretamente nesse contexto. Em outras palavras, na maioria das vezes, matam-se entre si.
Não é o consumo de drogas pelos envolvidos que leva a matar os rivais e sim uma questão muito mais racional: o comércio. No capitalismo, toda a expansão de mercado é conflituosa. Quando se abre uma loja em um bairro, os que lá já estavam estabelecidos podem se sentir prejudicados. Ainda mais quando os forasteiros trazem produtos melhores e a preços mais baixos. Se a concorrência é agressiva e chega a tal ponto que a convivência pacífica torna-se insustentável, pode-se apelar à Justiça, que decidirá quem tem razão na disputa. Mas o que fazer quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça? A solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre os demais, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade. É necessário controlar – por bem ou por mal – um território. Uma das garantias que o traficante pode dar é ter um território consolidado, seguro para estocar a mercadoria e vender à sua freguesia. Quanto mais território um grupo possui, mais pontos de venda terá.
Como já disse aqui antes, mais do que uma escolha pelo crime, o tráfico é uma escolha pelo emprego e pelo reconhecimento social. Um trabalho ilegal e de extremo risco, mas em que o dinheiro entra de forma rápida. Dessa forma, pode ajudar a família, melhorar de vida, dar vazão às suas aspirações de consumo – pois não são apenas os jovens de classe média que querem o tênis novo que saiu na TV. Ganhar respeito de um grupo, se impor contra a violência da polícia. E uma vez dentro desse sistema, terá que agir sob suas normas. Matando e morrendo, em uma batalha em que, para cada baixa, fica uma família.
http://blogdosakamoto.uol.com.br/2012/01/15/drogas-matam-mas-matam-quem/