Como a legislação em debate no Congresso norte-americano restringe a liberdade de troca de conteúdos na rede. Por que, se aprovada, ela pode provocar efeitos muito além das fronteiras dos EUA
Por Sergio Amadeu da Silveira, em A Rede
Os traficantes do copyright conseguiram encontrar uma legislação no Congresso dos Estados Unidos que autoriza o governo a realizar uma desastrosa e maciça interferência na internet, em nome da defesa dos direitos de propriedade intelectual das empresas estadunidenses. Em outubro, Lamar Smith, deputado republicano do Texas, apresentou um projeto de lei chamado Stop Online Piracy Act (Sopa – Lei de Paralisação da Pirataria Online), que quer interferir no sistema de nomes de domínio e atuar sobre os provedores de acesso, conteúdo e de aplicação da internet. O projeto propõe que seja criada uma lista de bloqueios de sites que violariam o copyright e outros direitos de propriedade.
O jornalista e analista Miguel Ángel Criado afirmou que os EUA vivem uma guerra civil digital cujo resultado terá consequências para todo o mundo. A Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes do país começou, em novembro, a ouvir argumentos contra e a favor do Sopa. O projeto é apoiado por dezenas de congressistas, democratas e republicanos, pois pretende bloquear as páginas e aplicações na internet dos estrangeiros que “roubam e vendem inovações e produtos americanos”, diz o texto da proposta legislativa. Organizações de defesa dos direitos civis na rede, buscadores como o Google, associações de desenvolvimento de software como a Mozilla Foundation e até o Facebook se colocaram contra a obscura proposição legislativa. Até o site argentino derechoaleer.org organizou um infográfico com a conhecida Mafalda, do genial Quino, para explicar o que acontecerá se o Sopa for aprovado.
Quando um site for denunciado como portador de conteúdo indevido (violando copyright) todos os demais sites que se relacionam com esse e não querem ser sofrer sansões legais terão cinco dias para:
- bloquear seu DNS (se for um provedor de acesso)
- impedir que os internautas acessem o endereço do site (se for um host)
- cancelar todos contratos de publicidade do site (por exemplo, o Google não poderá continuar enviando recursos do Add-Sense daquele site)
- serviços de pagamento deverão congelar os fundos e contas do site (exemplo: o Paypal reterá todo o dinheiro da conta vinculada ao site);
- remover os links e enlaces do site denunciado (exemplo: as consultas no Google que remetam ao site serão eliminadas).
Os efeitos sobre os ativistas podem ser devastadores em um primeiro momento. A rede TOR, os DNS alternativos, as redes Torrent ou os Proxies Anônimos que permitem a distribuição de informação sem censura serão atacadas pelas medidas definidas na lei. Muitos ativistas usam esses mecanismos para se proteger de governos autoritários, das organizações de extermínio que trabalham para grandes corporações. Ao mesmo tempo, jovens os utilizam também para compartilhar arquivos digitais. A pretexto de combater a pirataria, o governo estadunidense avançará sobre as redes democráticas e de ativistas para tentar anular as críticas a suas ações.
Utilizando o modo como o governo dos EUA tentou sufocar o Wikileaks, retirando seu site da rede e depois pressionando os bancos a cancelar suas contas bancárias e confiscar seu dinheiro, as forças retrógradas estadunidenses acreditam que podem realizar tais ações de censura em escala mundial. Unem-se a esses interesses os comandantes da indústria do copyright, principalmente a MPAA (associação dos grandes estúdios de cinema), a RIAA (representante da indústria fonográfica), a PhRMA (entidade das indústrias farmacêuticas), além da Adobe, Apple e Micro$oft.
Imagine se, para conter o avanço do software livre em algum lugar do mundo, um testa de ferro desses gigantes da intermediação acusa, por exemplo, o GNU/Linux de violar algumas patentes (como já ocorreu inúmeras vezes). Simplesmente o Source Forge (repositório de códigos-fonte) deverá bloquear o acesso às páginas do projeto, o Google deixará de inserir a palavra Linux em suas buscas, a Wikipedia deverá apagar os links que remetam para os sites vinculados ao sistema operacional livre, e os bancos deverão bloquear os recursos financeiros e suspender a conta da comunidade Linux.
Quem está feliz com o projeto Sopa? Todos os que querem controlar a inovação e a criatividade para manter os fluxos de lucratividade, principalmente, erguidos no mundo industrial, no cenário de broadcasting e de monopólios culturais. Outro perigo é o desequilíbrio que o projeto gera na rede. Os Estados Unidos se colocam na posição de justiceiros do copyright do planeta, Rambo das patentes, e passam a atuar desrespeitando as legislações nacionais, uma vez que o procurador estadunidense poderá decidir o que deve e o que não deve ter o acesso bloqueado.
Se existe algo positivo nesse projeto é o alerta que a proposta dá a todos os democratas e defensores da liberdade de expressão do mundo. A internet é uma rede que pode ser controlada ou bloqueada a partir do controle de sua infraestrutura física. A rede das redes tem alguns servidores-raiz e uma série de vias de alta velocidade que são governadas pelos Estados Unidos. Não podemos aceitar que esse país tenha tanto poder em um cenário de primazia das redes informacionais. Acho que a governança do sistema de DNS, da distribuição de IPs e a concentração do fluxo informacional em território americano precisa ser rediscutida. Os Estados Unidos são cada vez menos confiáveis para a garantia da liberdade de expressão e de criação em escala global.
http://ponto.outraspalavras.net/2012/01/12/projeto-dos-eua-quer-censura-mundial-na-web/