Campo “provisório” de detenções completa hoje uma década, desafia direitos humanos e expõe fracasso da política norte-americana de combate ao terror
Por Christina Bergmann, na Deutsche Welle
O campo de prisioneiros de Guantánamo era para ser uma solução provisória, diz James Carafano. O especialista em política de defesa e segurança da conservadora Fundação Heritage diz que, a seu ver, não teria havido outro procedimento adequado para o contexto da época.
A questão decisiva naquele momento era: como proceder em relação a prisioneiros resultantes de uma guerra na qual o inimigo não é um outro Estado, ou seja, numa situação na qual as normas para prisioneiros de guerra não valem?
Um processo civil, como exigido por vários críticos à existência da prisão de Guantánamo, não foi cogitado, de acordo com Carafano, pois “nenhum país do mundo defendeu algum dia que crimes de guerra, ocorridos num contexto de guerra, possam ser examinados e legalmente julgados num contexto do Direito Civil”, completa o especialista.
Por isso, continua Carafano, foi tomada a decisão, no governo do então presidente George W. Bush, de levar os prisioneiros para Guantánamo. Os primeiros 20 detentos do “combate norte-americano ao terrorismo” chegaram no dia 11 de janeiro de 2002 à penitenciária militar na Baía de Guantánamo.
Ali, afirmava-se, eles não estariam submetidos à Justiça dos EUA, podendo ser mantidos presos e interrogados. A Corte Suprema norte-americana, contudo, decidiu nesse meio tempo que os prisioneiros podem, sim, se apoiar no direito constitucional norte-americano.
Rigor com terroristas
Críticos afirmam que havia a possibilidade de criar um campo de prisioneiros de guerra no Afeganistão ou mantê-los detidos nos EUA. A ativista Andrea Prasow, da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, diz que, tanto naquela época quanto hoje, a situação do ponto de vista jurídico é clara: “Prisioneiros que cometeram algum crime podem ser julgados com base no Código Penal”, salienta. Se infringiram leis norte-americanas, teriam que ser levados a tribunal nos EUA; se infringiram leis afegãs, a um tribunal no Afeganistão. “E se não houver provas suficientes deveriam ser libertados”, completa.
Tribunais civis, argumenta a especialista, estão aptos a julgar terroristas, o que já teria sido provado em diversas condenações. “E a realidade é que os tribunais civis norte-americanos não costumam ser favoráveis aos réus, sobretudo aos acusados de terrorismo”, analisa Prasow. Segundo ela, terroristas condenados recebem penas longas e são mantidos em penitenciárias de segurança máxima, onde têm pouco contato com o mundo exterior.
Aperfeiçoar o sistema em vez de buscar alternativas
Mesmo Carafano admite que as condições de Guantánamo nos primeiros anos não eram aceitáveis. Em vez de buscar alternativas, o governo norte-americano tentou aperfeiçoar o sistema ali existente, ou seja, melhorar as condições de detenção. “O problema, para os EUA, é que a política se desenvolveu numa direção totalmente diferente”, diz Carafano.
Segundo ele, Guantánamo se tornou um exemplo de tudo o que era negativo em relação ao combate ao terrorismo, até mesmo de métodos de tortura, como o afogamento simulado, embora, segundo ele, a prática nunca tenha sido aplicada no campo.
Obama: promessa não cumprida – Quando o presidente Barack Obama assumiu o poder, em 2009, ele declarou que fecharia Guantánamo dentro de um ano. No entanto, a tarefa se mostrou mais difícil do que o pensado. No campo, havia aproximadamente 800 prisioneiros. Hoje, dos 171 que ainda estão lá, 89 dispõem de permissão para serem libertados, diz Prasow.
A maioria destes vêm do Iêmen. Diante da instabilidade política e do alto número de supostos terroristas que vivem no país, os EUA decretaram uma suspensão das deportações para o Iêmen desde que o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab tentou, em dezembro de 2009, explodir um avião. Os mentores do atentado estavam no Iêmen.
Outros 36 prisioneiros deverão ser levados a julgamento, entre eles Khalid Sheich Muhammed, um dos mentores dos atentados terroristas do 11 de Setembro; e 46 prisioneiros deverão ser mantidos no campo por tempo indeterminado, sem que pese sobre eles uma acusação definida.
No último dia do ano de 2011, Obama ratificou uma lei, aprovada pelo Congresso, que permite este tipo de detenção ilimitada. Pouco antes, o Congresso havia aprovado uma lei que impede o transporte dos prisioneiros para os EUA. Isso cria dificuldades na hora de argumentar com outros países que eventualmente poderiam receber os prisioneiros. Ou seja, o fechamento da prisão está, no momento, praticamente impossibilitado em função dessas leis. Em 2011, alerta Prasow, nenhum detento deixou Guantánamo.
Especialistas veem com ceticismo futuro de prisioneiros
O especialista em segurança nacional Ken Gude, do Center for American Progress, afirma que as leis aprovadas pelo Congresso – e com elas a dificuldade de se fechar Guantánamo – têm razões única e exclusivamente políticas. Segundo ele, o Congresso “criou uma barreira legal, que se apoia, contudo, na visão política de que é perigoso levar prisioneiros de Guantánamo para os EUA e que isso poderia colocar em risco a vida de cidadãos norte-americanos”. Uma postura “ridícula’”, segundo Gude.
Mesmo assim, a Secretaria de Estado anunciou no início desta semana que o governo norte-americano continua disposto a fechar o campo de prisioneiros. Segundo o comunicado, durante o período de Obama na presidência, foram transferidos 67 prisioneiros, quatro dos quais teriam sido condenados por tribunais militares ou civis.
De acordo com as informações oficiais, Obama ordenou que a detenção de determinados prisioneiros seja avaliada com regularidade, a fim de assegurar que a prisão de longo prazo seja “justificável”, sem comprometer “nossa intenção de fechar Guantánamo”.
Prasow vislumbra uma pequena luz no fim do túnel no que diz respeito à nova lei, que só permite a libertação dos prisioneiros sob condições absolutamente rígidas, de tal forma que o procedimento se tornou praticamente impossível nos últimos tempos. “A lei ratificada agora traz uma pequena mudança”, explica a defensora dos direitos humanos.
O secretário da Defesa pode argumentar que os países de destino dos prisioneiros tomaram medidas substanciais a fim de minimizar o risco de que um prisioneiro se torne novamente uma ameaça à segurança dos EUA. Neste caso, a deportação seria possível, segundo Prasow. “Há mais ou menos uma semana, portanto, vigora uma lei que, acredito, permite a libertação de prisioneiros de Guantánamo”, conclui. Um fechamento completo do campo em curto prazo, todavia, é considerado improvável por todos os especialistas. “Daqui a quatro anos, não importa quem seja o próximo presidente norte-americano, ainda existirá o campo de prisioneiros de Guantánamo, e nele ainda haverá prisioneiros da guerra contra o terrorismo”, prevê James Carafano.
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