Fausto Macedo – O Estado de S.Paulo
“Os mesmos setores que resistiram à criação do Conselho Nacional de Justiça hoje lutam para enfraquecê-lo”, alerta Sergio Rabello Tamm Renault, um dos criadores do CNJ. A toga amotinada, avalia, é formada por “setores da magistratura que não aceitam que os juízes estejam submetidos a uma forma de controle mais isento, imparcial e distante, como convém ao sistema democrático”. A reportagem e a entrevista é de Fausto Macedo e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-01-2012.
O CNJ, apenas seis anos de vida, já se vê ameaçado. Entidades de magistrados o hostilizam. Atribuem ao conselho, sobretudo à Corregedoria do CNJ, excessos e violações a garantias constitucionais. Desde que mergulhou nos porões dos tribunais, em busca de supersalários e do nepotismo, o CNJ é fustigado. Vive sub judice.
Aos 53 anos, advogado há 30, especializado em Direito Público, Renault ocupou o cargo de secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça entre 2003 e 2005. Nesse período, foi aprovada a emenda 45, que moldou o CNJ – planejado para fiscalizar e pôr fim a regalias seculares das cortes. Eis a entrevista.
Como o Sr. avalia os ataques ao CNJ?
Com preocupação, porque o CNJ já deu demonstrações de que tem um papel a cumprir e é reconhecido pela sociedade como fundamental para dar mais transparência e eficiência ao Judiciário. O CNJ não é uma ameaça ao Judiciário, e sim um instrumento para o seu fortalecimento. Os ataques ao CNJ ameaçam o próprio Judiciário. Nos termos do que dispõe a Constituição, com a redação dada pela Emenda 45, o CNJ é órgão de cúpula do próprio Judiciário.
Quem quer emparedar o CNJ?
Os mesmos setores que foram contra a sua criação e hoje lutam para enfraquecê-lo. Há setores da magistratura que não aceitam que os juízes estejam submetidos a uma forma de controle mais isento, imparcial e distante, como convém ao sistema democrático. A Associação dos Magistrados Brasileiros, que propôs em 2004 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o CNJ no Supremo Tribunal Federal e perdeu, agora tenta restringir os seus poderes de investigação. Não se questiona a legitimidade da maior entidade de classe dos juízes de pleitear junto ao STF o reconhecimento de determinado ponto de vista a partir da interpretação da Constituição. Mas o que se pretende é limitar os poderes do CNJ, impedindo que continue a cumprir um dos papéis para os quais foi criado. A questão será decidida pelo STF num contexto em que a sociedade parece estar atenta e reconhece a importância da manutenção do CNJ íntegro.
Qual o objetivo do CNJ?
O CNJ foi criado para planejar as atividades do Judiciário e exercer o controle disciplinar das atividades dos juízes. Não havia órgão nacional com essas atribuições e tanto o planejamento como o controle disciplinar eram feitos de forma fragmentada sem unidade e isenção. O Judiciário possui organização muito complexa, pouco transparente, difícil de ser compreendida pela cidadania. Com o CNJ, o Judiciário passou a ser notícia, a população percebeu que ele, como protagonista de decisões importantes para a sociedade, não pode viver à margem dessa sociedade e a ela deve prestar contas.
Quais foram as principais dificuldades para instalar o CNJ?
Decorreram exatamente da resistência dos setores que eram contra a sua criação. O projeto de emenda constitucional de criação do CNJ tramitou no Congresso por mais de uma década. Esses setores não permitiram antes a sua aprovação por entender que ele representaria ameaça à independência do Judiciário. Em virtude de uma correlação política de forças favorável e do empenho direto do Poder Executivo em conjunto com as parcelas mais esclarecidas e progressistas do Judiciário é que ocorreu essa aprovação. Márcio Thomaz Bastos, em seu discurso de posse como ministro da Justiça do primeiro mandato do presidente Lula, definiu a criação do CNJ como prioridade de governo e isso certamente contribuiu para a sua aprovação pelo Congresso. Os setores que lutavam contra a criação do conselho foram derrotados. Hoje, parece mais claro que a ausência ou um CNJ enfraquecido pode significar ameaça maior.
Onde estão os focos de resistência ao CNJ?
Nos setores da magistratura que entendem que o Conselho é desnecessário ou prejudicial à autonomia do Judiciário e à independência dos juízes. São os mesmos setores que foram contra a criação do conselho e hoje entendem que o seu enfraquecimento representa a retomada das bandeiras derrotadas em 2004. A diferença é que hoje a sociedade e setores majoritários da magistratura já perceberam a importância do CNJ para a democracia.
Onde está a raiz dessa crise?
Numa visão de que os juízes são servidores públicos especiais que devem ser tratados de forma diferente dos demais servidores. Numa visão de que o Judiciário é um poder diferente dos outros e não deve estar submetido a uma forma de controle social que exponha publicamente as suas mazelas. Com a criação do CNJ, creio que a sociedade já decidiu que o Judiciário deve estar submetido a uma forma de controle que o torna mais próximo e transparente.
Desembargadores alegam que o CNJ não pode investigar sem que as corregedorias dos tribunais investiguem primeiro.
Não concordo. A competência é concorrente, o CNJ pode investigar independentemente da ação das corregedorias estaduais. Esta é a decisão que caberá ao STF tomar a partir da provocação da AMB.
As liminares dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski enfraquecem o CNJ?
São decisões provisórias que podem ou não ser referendadas pelo plenário do STF. Por essa razão, não acho que enfraquecem. Tudo agora depende da decisão definitiva do Supremo, que espero que seja no sentido de preservar as competências do CNJ. Não há dúvida de que esta é uma decisão que cabe unicamente ao STF tomar.
Como neutralizar os ataques ao CNJ?
Expondo publicamente suas ações para que a sociedade perceba a sua importância e o seu enfraquecimento se torne politicamente impossível. Para combater práticas anacrônicas dos tribunais, deve-se fortalecer o CNJ, permitindo que as questões relativas ao Judiciário sejam de conhecimento público. A transparência é fundamental para que nenhum servidor público se sinta acima da lei e do controle da sociedade.
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