Leonardo Sakamoto
(A pedidos, segue um aviso: Cuidado! Texto com ironias. Leiam com atenção.)
Essa frase faz sucesso aqui no blog. Principalmente entre os leitores que usam seu Tico-e-Teco apenas no Natal para poder quebrar nozes e depois os mantém em animação suspensa sob temperatura de vinho branco. É proferida ad nauseam quando o tema é a dura barra enfrentada pela gente parda, fedida, drogada e prostituída que habita o Centro da pujante São Paulo – locomotiva da nação, vitrine do país, que não segue, mas é seguida e demais bobagens que floreiam discursos ufanistas patéticos caindo de velhos. É só falar da necessidade de políticas específicas que garantam qualidade de vida para esse pessoal mas, ao mesmo tempo, respeitem seu direito de ir e vir e ocupar o espaço público, que reacionários vociferando abobrinhas saem babando querendo morder o blogueiro. Rrrrrrrrrr, au!
Afinal de contas, quem você pensa que é, jornalistazinho de merda metido a intelectual, que fundamenta seus orgasmos na estética da miséria, refestelando-se com situações-limite que colocam em risco nossa civilização, expondo as famílias de bem à escória do mundo e Zzzzzzzz… Ahn? Como? Ah, sim, desculpe. Enfim, tá com dó, leva pra casa.
Fico pensando o que isso quer dizer exatamente. Pois levar um dependente químico para casa vai ajudar como na solução do problema?
Bem, se você é do tipo que acha bonito aquela parábola – deveras brega, diga-se de passagem – do sujeito que, diariamente, pega estrelas-do-mar e as joga na água, achando que está fazendo sua parte para salvar o mundo, parabéns. Mas vá fazer outra coisa, desencane de ler este texto.
Para os demais, gostaria de lembrar que criticar uma política higienista serve para que o poder público respeite os direitos individuais e dê soluções reais aos problemas e não apenas espalhá-los para que sumam da vista dos mais endinheirados. Não é uma ação individual que vai resolver, mas uma mudança de paradigma, de como tratamos os doentes e a quem pertence o Centro de São Paulo.
Desde esta terça (3), a Polícia Militar está agindo na região que ficou carinhosamente conhecida como Cracolândia (em clara homenagem à comuna italiana de Craco, na região da Basilicata, com 796 boas almas – se ninguém morreu hoje) para espalhar usuários e vendedores de drogas para outros pontos da cidade. Eles dizem que estão reprimindo o tráfico e o consumo, mas nem o soldado mais raso acredita nisso. Sabem que estão é limpando os arredores da Sala São Paulo, da Pinacoteca, do Museu da Língua Portuguesa e do empreendimento imobiliário conhecido como Nova Luz desse estorvo indesejável. A cada mata-leão em usuário de crack, o metro quadrado sobe de preço.
Detesto o verbo “revitalizar”. Ele tem sido usado para justificar grandes atrocidades, como se a vitalidade de um lugar fosse medida pela ausência de gente pobre. Revitalizar têm sido construir museus e praças e mandar o lixo humano para longe. Não apenas expulsando dependentes, mas também a população pobre que habita a região e que não cabe nos planos do governo. O que? Arruaceiros jogando bola e empinando pipa assustando a gente de bem? Sai pra lá!
Melhor tirar da vista do que aceitar que, se há pessoas que querem ocupar o espaço público por algum motivo, elas têm direito a isso. A cidade também é deles, por mais que doa ao senso estético ou moral de alguém. Ou crie pânico para quem acha que isso é uma afronta à segurança pública e aos bons costumes.
Enxotar é mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma urbana que pegue as centenas de imóveis fechados para especulação e os destine a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para usuários de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e exclusão e, portanto, ineficaz. Muitos vêem os dependentes químicos como lixo da sociedade e estorvo ao invés de entender que lá há um problema de saúde pública.
As políticas implantadas pelas três esferas de governo não produziram nenhuma mudança significativa ainda. E o povo gosta do discurso idiota da polícia na rua (oooobra de Maluf), mesmo que essa presença não sirva. Prender traficantezinho mixuruca e mandar os usuários acenderem o cachimbo na Barra Funda ou no Brás é solução para o crack em São Paulo?
Tô sim com dó. Mas não dos dependentes químicos. Muitos menos da população de rua. Tô com dó dos gestores da cidade e de parte dos seus habitantes que compactuam com saídas fáceis para problemas complexos.
Até levaria essa patota toda para casa. Mas temo não ter a quantidade de uísque e outras drogas lícitas a que alguns desses cavalheiros e as damas estão acostumados.
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