Programa de inclusão da Universidade de Campinas busca aluno que seria “desperdiçado” por estudar em escola ruim
Texto e fotos: Cinthia Rodrigues, iG São Paulo
Alex Tomás de Aquino, de 17 anos, não se inscreveu no vestibular para a Universidade de Campinas (Unicamp) no ano passado. Apesar de se destacar entre os alunos do 3º ano do ensino médio da escola estadual Álvaro Cotomacci, na mesma cidade, ele imaginava que não teria chance de conseguir uma vaga na instituição de nível superior que mais admira, concorrendo com estudantes de cursinhos e das melhores escolas do País.
A história é muito parecida com a de Talita Nicacio, Josiane dos Santos, Yasmin Almeida, Anderson Pimentel e da maioria dos alunos da primeira turma do Programa de Formação Interdisciplinar (Profis) da Unicamp, que começou este ano. Todos foram selecionados por ter o melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em comparação aos colegas que cursaram a mesma escola – e não a candidatos em geral.
O formato gerou críticas por ser um programa de inclusão que restringia o público à cidade de Campinas. No ano passado, a Justiça vetou uma iniciativa da Universidade Federal do Rio de Janeiro que tentava destinar 20% das vagas apenas a estudantes de escolas públicas fluminenses.
Na Unicamp, no entanto, o reitor Fernando Costa diz que o principal objetivo não é ajudar os alunos das escolas públicas a entrar na universidade, mas o contrário: garantir que a academia não perca os maiores talentos por eles não estudarem em boas escolas. No projeto piloto em andamento, com apenas 120 vagas, a abrangência territorial teria de ser pequena para que não voltasse a haver uma seleção entre escolas, em vez de alunos. “Se eles tiveram o melhor desempenho possível naquelas condições, muito possivelmente serão ótimos estudantes de nível superior também.”
Crítico do vestibular como única forma de admissão, ele espera que o Profis dê pistas de como a Unicamp e outras instituições brasileiras possam incluir seleções mais criativas e inteligentes. “A verdade é que se um estudante fizer cursinho ano após ano, uma hora ele passa, mas muitas pessoas com potencial podem ser desperdiçadas por não terem feito uma escola que proporcionasse o mínimo”, explica.
O projeto não deixa de ser de inclusão. Dados preliminares da equipe de acompanhamento do Profis mostram que o porcentual de negros inscritos na instituição pelo programa é cinco vezes maior do que a média pelo vestibular. O mesmo ocorre com a renda familiar. Enquanto entre os 3 mil alunos que ingressam na universidade pelo vestibular apenas 9% tem renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos, essa é a faixa de rendimento em que estão 47% dos ingressantes pelo novo programa.
“O perfil da turma tem a mesma diversidade do jovem desta idade no Estado de São Paulo”, diz o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel.
Curso superior básico
Se não teriam conhecimentos básicos para passar no vestibular, no entanto, também faltaria a estas pessoas o mínimo para acompanhar um curso superior. Entra aqui a segunda meta e a justificativa do nome Programa de Formação Interdisciplinar. Em vez de ingressar diretamente em um carreira, os estudantes recebem uma formação geral superior básica, outra ideia que o reitor gostaria de ver expandida.
Para Costa, o aluno da Unicamp se forma com excelentes bases técnicas em sua área, mas falta uma formação geral, que seria de se esperar de uma pessoa com curso superior em uma das melhores instituições latino-americanas. O problema é que futuros médicos não têm aulas de literatura, economia ou história, assim como os matemáticos nunca cursam evolução, bioética ou produção de texto e assim por diante com as restrições de cada carreira. “O nosso sonho era que pudéssemos dar uma base geral para todos os alunos e começamos por esses”, diz Costa.
Durante dois anos, eles têm aulas de linguagens, ciências humanas e artes, matemática, ciências exatas e tecnologia e ciências biológicas e da saúde. A intenção não é que consigam ser aprovados no vestibular, pois ao final todos têm vagas garantidas na graduação. Os que obtiverem as melhores notas no programa escolherão primeiro que carreira cursar.
“Nós até pensamos em fazer algo mais fácil, mais próximo da realidade deles, mas depois concluímos o seguinte: vamos dar o que há de melhor”, lembra. Foi escolhido trabalhar o poemaCanzoniere, de Francesco Petrarca. Assim mesmo, no original em italiano. “Levei três aulas de duas horas e, quando acabou, vários choravam. O acesso a uma obra deste nível tem uma força incrível”, lembra.
Knobel afirma que há relatos semelhantes de professores das diversas áreas. “Eles estão aproveitando a cultura de primeira a que finalmente têm acesso”, diz.
Alex, do início desta reportagem, conta que entre os motivos para não prestar vestibular no ano passado estava o fato de não se sentir preparado para a universidade. “Mesmo que eu tivesse chance de passar, eu sabia que faltavam conhecimentos básicos”, diz, comemorando o projeto piloto. Este mês, ele voltará à escola em que estudou para falar do programa. “Vou recomendar a todos que tentem, é uma grande oportunidade.”
Talita Nicacio, de 18 anos, pondera que há pontos negativos. Por se tratar de um programa piloto, a turma tem alguma insegurança de que tudo funcionará bem. Além disso, sentem um preconceito de outros estudantes. “A gente vê alunos daqui discriminando o nosso curso, mas no geral há mais prós do que contras. O conteúdo é muito bom e a vivência no campus vai nos dar um amadurecimento que pode nos levar a um aproveitamento muito melhor da faculdade”, diz.
O reitor aposta que sim. “Se destes 120, metade estiver entre os primeiros alunos da universidade vamos ter demonstrado que o vestibular precisa ser repensado.”