Condição para sobrevivência das populações indígenas da América está na manutenção da dieta ameríndia, por João Paulo Botelho Vieira Filho

Na ABRAN

A dieta ameríndia é uma das três melhores dietas existentes no mundo. Talvez a melhor, pela grande diversidade de alimentos. Ela pode e deve se expandir. Evita as doenças crônico-degenerativas que se manifestam entre as populações indígenas que a abandonam e a substituem pela dieta ocidental ou industrial, responsável pela endemia e epidemia de obesidade e diabetes mellitus tipo 2 (56,73).

O perigo atual de dizimação das populações indígenas está na adoção da dieta ocidental ou industrial. Os índios são geneticamente altamente propensos à obesidade, ao diabetes mellitus tipo 2(47,53) e com maiores complicações vasculares, renais, oculares e comprometimento dos nervos.

As populações indígenas do continente americano pertencem aos grupos étnicos com maior intolerância à glicose e maior prevalência do diabetes mellitus (21,56, 72).

A dizimação desses grupos no período colonial, sobretudo, império, república e períodos autoritários, foi devido à introdução das moléstias infecto-contagiantes, agravada pela dieta dos colonizadores e brasileiros, que inseriram a rapadura e o açúcar na alimentação dos índios nos engenhos, nas reduções militares e nas missões. Não podemos esquecer as dizimações militares punitivas autorizadas pelos portugueses. A rapadura e o açúcar de absorção rápida, introduzidos durante a colonização e até recentemente na atração de grupos arredios, levam ao diabetes que é imunodepressor, facilitando e ampliando as infecções.

Um processo educativo nas escolas indígenas deveria realçar e valorizar a dieta ameríndia, que proporcionou alimentos valiosíssimos aos colonizadores e populações do mundo, como o milho, a batata doce, as batatas, as mandiocas e macaxeiras, a abóbora e o mamão, além de inúmeros outros alimentos.

O que se observa é o fornecimento da cesta básica do governo com açúcar cristalizado, que deveria ser substituído pela farinha de milho ou de mandioca. A merenda escolar também é imprópria para crianças indígenas pelos alimentos com hidratos de carbono de absorção rápida. Desde 2008, venho apontando ao governo essa distorção de alimentos impróprios na cesta básica, na merenda escolar, na propaganda intensa de cervejas e refrigerantes na televisão.

As populações indígenas brasileiras somente terão futuro de saúde e não serão novamente dizimadas, se mantiverem a dieta ameríndia tradicional.

Os Xikrin, os Gaviões, os Karipuna, os Assurini do Xingu, os Palikur, os Galibi e inúmeros grupos indígenas brasileiros apresentam o diabetes como endemia pela mudança da dieta ameríndia para a dieta ocidental ou industrial (42, 45, 62,63). Os Xavantes, que modificaram a dieta ameríndia totalmente pela dieta ocidental ou industrial, estão sofrendo epidemia de diabetes com amputações e insuficiências renais em diálise (56,62,63,73).

Insisto que deve haver uma política educativa governamental, que valorize a dieta tradicional ameríndia para evitar sofrimentos intensos do diabetes com amputações, morbidade e mortalidade excessiva, entre populações altamente propensas geneticamente ao diabetes mellitus tipo 2 (47,53).

Comentarei os pontos positivos das dietas paleolítica, ameríndia e mediterrânea, benéficas à saúde, estendendo-me mais sobre a dieta ameríndia valiosíssima, mostrando os pontos negativos da dieta ocidental ou industrial.

Passo a comentar quatro tipos de dietas clássicas, três das quais benéficas à saúde, como a paleolítica, a ameríndia, a mediterrânea e uma maléfica à saúde a ocidental ou industrial que mais se expande pelo mundo(64,66).

As dietas paleolítica, ameríndia e mediterrânea são equilibradas para a saúde, evitam doenças crônicas e degenerativas como a obesidade, o diabetes mellitus tipo 2, as dislipidemias, as coronariopatias, a hipertensão arterial, os acidentes vasculares cerebrais, os cânceres (54,55,57,59,61,64,66).

A dieta paleolítica denominada pelos antropólogos como anterior ao desenvolvimento da agricultura, dos povos caçadores e coletores, compunha-se de ampla diversidade de frutas e vegetais, carnes magras, nozes, e diversidade ocasional de ovos (64). Nesta dieta paleolítica havia exclusão de cereais, produtos lácteos, gorduras refinadas e açúcar, era pobre em sal (64).

A dieta ameríndia compõe-se de ampla diversidade de frutas e vegetais, de raízes e tubérculos, e de um cereal valiosíssimo, o milho. Nela, há amplo cultivo de raízes como batatas doces, inúmeras variedades de mandiocas e macaxeiras, e mandioquinha. Há amplo cultivo de inúmeras variedades de tubérculos como batatas e ainda o cará. Dela faz parte a abóbora, o feijão de rama ou trepadeira, a fava, as importantes frutas como o mamão e o abacate, o tomate. O milho, com muitas variedades, é o cereal mais difundido, embora na dieta ameríndia andina existam outros grãos cultivados ricos em proteínas. Os vegetais e frutas da dieta ameríndia encontram-se em roças ou plantações de subsistência.

Na dieta ameríndia entram inúmeras variedades de cocos e castanhas, frutos silvestres e palmitos. Ela compõe-se de ampla diversidade de carnes magras: de mamíferos como porcos selvagens, veados, macacos, tamanduás; de peixes; de répteis como jiboia e sucuri; de quelônios como tartarugas terrestres e aquáticas; lagartos; de pássaros como mutum, peru, pato, ema, araras. Larvas de cocos e insetos também entram nesta dieta e ainda ocasionalmente ovos de quelônios e pássaros como ema.

Há ainda a exclusão de gorduras refinadas, produtos lácteos, açúcar e sal entre as populações indígenas amazônicas. Além do pouco consumo de álcool de baixo conteúdo alcoólico ou calórico.

A dieta ameríndia aproxima-se da dieta paleolítica pelo grande consumo de frutas e vegetais, consumo de carnes magras, exclusão de produtos lácteos, gorduras refinadas e açúcar de absorção rápida ou refinado. Possui uma riqueza alimentar e nutritiva maior que a dieta paleolítica, pela presença do valioso cereal milho, pelo cultivo de raízes como a batata doce e extensa variedades de mandiocas, tubérculos como as batatas e o cará, do legume abóbora, das sementes do amendoim e da frutífera mamão.

A dieta mediterrânea caracteriza-se pelo amplo consumo de frutas e vegetais, nozes, cereais como o trigo, sobretudo, cevada, aveia, peixes (64). Nela há pouco consumo de carnes vermelhas e processadas, pouco consumo de doces, moderado consumo de produtos lácteos e do álcool (64).

Nas dietas paleolítica, ameríndia e mediterrânea há grande consumo de frutas e vegetais, contendo quantidade de fibras, que contribuem para uma redução da energia ingerida e um melhor balanço oxidativo (55,57,64,66).

Essas três dietas com baixa ingestão de carnes vermelhas reduzem a inflamação sistêmica e diminuem o risco de cânceres do intestino colo e reto, estômago, mamas, próstata, pâncreas, pulmões, endométrio e ovário(54,55,57,58,64,65,66,67). Elas são ricas em vegetais, frutas, alimentos assados e cozidos, com controle das glicemias e nível de colesterol e triglicérides (58,59,60,65). O nível inflamatório delas é baixo, observado na proteína C reativa(64).

Também podemos atribuir o controle de peso e redução da circunferência abdominal como benefícios das três dietas. A paleolítica ocasiona perda do peso e reduz a circunferência abdominal em 12 semanas(60,64,66).

A dieta ocidental ou industrial caracteriza-se pelo baixo consumo de frutas, vegetais, raízes e pelo pequeno conteúdo de fibras. Ela compõe-se de ampla ingestão de gordura saturada de proveniência animal, carnes vermelhas gordurosas e processadas, leite e produtos lácteos como queijos, manteiga e ovos (64).  Nesta dieta ocidental ou industrial, há alta ingestão de açúcares de absorção rápida (sacarose e frutose), carboidratos refinados, farinhas de cereais como trigo, aveia e centeio (64). Possui conteúdo alto de líquidos adoçados como refrigerantes e sucos, bebidas alcoólicas e sal (64).

A dieta ocidental ou industrial, ao contrário das dietas paleolítica, ameríndia e mediterrânea, pelo baixo teor de frutas, vegetais e de raízes, e pelo alto teor de gordura animal, estimula a inflamação sistêmica (64). A energia ingerida é alta em calorias (64). Ocasiona doenças crônico-degenerativas como obesidade, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemias com aumento do colesterol e dos triglicérides, doenças cardiovasculares como coronariopatias, hipertensão arterial, acidentes vasculares cerebrais, esteatose hepática, doenças osteomotoras, cânceres, que se sucedem em nível endêmico e epidêmico. Além disso, há uma expansão da circunferência abdominal, da obesidade, do diabetes mellitus tipo 2 e da obesidade mórbida.

A dieta ocidental ainda predispõe ao câncer do intestino colo-reto, estômago, mamas, próstata, pâncreas, endométrio, ovário ao invés das dietas paleolítica, ameríndia e mediterrânea (64,66,67).

A dieta que pode solucionar a fome no mundo, sem que haja necessidade da existência de outro planeta, é a ameríndia, pela extensa variedade de alimentos de origem vegetal. Ela se adapta ao hemisfério sul, carente de alimentos. Com o milho, a batata doce, a mandioca e macaxeira, o feijão trepadeira que é plantado ao lado do milho, a abóbora e o mamão, é possível alimentar as populações famintas de forma sustentável, complementando com proteínas de pequenos animais como aves e peixes.

A dieta mediterrânea é uma boa solução para o hemisfério norte, pois possui frutas como maçãs e uvas, nozes que melhor se adaptam a regiões temperadas ou com invernos rigorosos.

Para alimentarmos a numerosíssima população mundial com a dieta ocidental ou industrial necessitaríamos de outro planeta, pois não haveria território para pastoreio de grandes herbívoros como gado para produção de carne vermelha, leite e derivados.

Espero que o governo se conscientize sobre o risco da mudança da dieta tradicional das populações indígenas para a dieta ocidental ou industrial, que venha a ter uma política voltada à saúde de minorias geneticamente diferentes, que entenda o valor da dieta ameríndia, que faça correções na cesta básica e merenda escolar.

 João Paulo Botelho Vieira Filho
Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina
Preceptor do Centro de Diabetes
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo 27/02/2015

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Enviado para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.

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