A luta por permanência na UFSC
Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
O Conselho Universitário da UFSC protagonizou nessa terça-feira, dia 28, mais uma página lamentável da sua existência. Sentindo-se confrontados por um pequeno grupo de estudantes negros, que reivindicava o direito de permanência na universidade – uma vez que 12 deles, excluídos dos auxílios, estão em situação de emergência – alguns professores bateram boca, gritaram e se retiraram da sala. Para piorar a situação, a reitora em exercício, Lúcia Pacheco, imediatamente suspendeu a sessão, impedindo assim que o tema fosse conhecido e discutido pelos conselheiros. Boa parte dos membros saiu e apenas a representação dos técnicos, alguns poucos professores e alguns representantes dos estudantes permaneceram na sala dos Conselhos e ouviram as demandas dos estudantes.
Eram cinco horas quando gritos começaram a ser ouvidos na sala contígua ao Conselho. “Ô reitoria, chega de ausência. Preto e pobre exige permanência”. Mais um pouco e um grupo de estudantes negros adentrou a sala. Eles vinham cobrar respostas a uma demanda que já estava sendo discutida há dias, sem que a administração desse uma resposta favorável. Segundo eles, vários alunos em situação de extrema necessidade ficaram de fora do edital que garante assistência estudantil. Mostravam que a situação era de emergência e que era um direito que precisava ser garantido. “Estamos em uma situação de vulnerabilidade econômica muito séria, tem gente que está passando fome. Queremos saber por que nós ficamos de fora de todos os editais se o nosso cadastro prova que não temos como estudar sem o auxílio”.
Os estudantes colocaram uma série de informações sobre outras pessoas, em situação econômica melhor, que foram contempladas e exigiam explicações sobre os critérios que a UFSC usa para distribuir os auxílios. “Nós entramos na UFSC pela porta da frente e não vamos sair pela porta de trás. Queremos nossos direitos, queremos estudar”.
A reitora em exercício, Lúcia Pacheco, chamou a representante da pró-reitoria de assuntos estudantis para a mesa e quando um dos estudantes insistiu em continuar falando, os professores Paulo Pinheiro Machado e Maninho se levantaram dizendo que o estudante estava sendo desrespeitoso e autoritário com a reitora. Tudo isso porque ele disse que não precisava da permissão de ninguém para falar. Nesse momento, vários outros membros do conselho começaram a se retirar, gritando com os estudantes, recusando-se a ouvir as suas falas. A reitora então suspendeu a sessão, dando legitimidade ao abandono.
O que se seguiu foi uma série de falas e contra/falas que só demonstraram a triste realidade de uma instituição que apesar de 50 anos de história ainda não conseguiu aprender a conviver com a diferença. A presença de negros e pessoas empobrecidas na UFSC aumentou muito nos últimos anos, em função da política de cotas – que também demorou a se estabelecer na universidade. Essas pessoas fogem do padrão do estudante médio que a UFSC sempre teve, que era de classe alta ou média. Em função disso a demanda por bolsas e auxílios permanência aumentou consideravelmente. A instituição, em vez de travar dura batalha pelo aumento desses auxílios prefere o cômodo caminho do “a lei não permite”, “as regras são essas”, “vocês têm que entender”.
O professor exaltado considera que o aluno que reivindica o direito de comer, morar e estudar é um autoritário. “Já basta de abaixar a cabeça. Somos negros, somos gente igual. Não somos subalternos”, repetiam os estudantes. A casa-grande continua querendo ditar regras para os negros. A casa-grande ainda não saiu de dentro de muita gente, esse era o sentimento. Desde quando uma mãe, negra, com um filho nos braços, não tem o direito de gritar por atenção e pelos seus direitos? Quando isso é autoritarismo? Quando isso é desrespeito com a autoridade?
Que fique claro. Não se trata de vitimização. Não está em pauta o mantra de “somos coitadinhos”. Nenhum daqueles estudantes que entrou no Conselho estava pedindo favor. Há uma lei que garante a entrada na universidade e é necessário que a instituição encontre caminhos para que esses jovens possam permanecer e terminar os cursos. A questão racial é latente. “Temos muitos colegas que estão trabalhando, fazendo bico à noite para poder seguir. Outros já desistiram, já foram embora. Não têm de onde tirar. O caminho que a gente está buscando é a educação. Se amanhã um de nós pegarmos uma arma e sairmos assaltando, esses mesmos professores que se levantaram serão os primeiros a pontar o dedo e dizer: vagabundos, tem de morrer. Essa é a verdade”.
A resposta da administração é de que vai estudar uma possibilidade. Mas os alunos não querem mais promessas, eles precisam pagar as contas agora. Entendem que a universidade tem de encontrar caminhos para a demanda de pedidos de auxílio que cresce a cada dia. Não dá para ficar escondida detrás de regras e editais. Se não há recursos, há que batalhar por eles, inventar, criar. A força política da universidade não é capaz de mover coisas desse tipo?
Na verdade, a administração se comporta dentro da regra de como tem sido desde que assumiu esse mandato: agarrada a letra fria da lei. Não importa que bem ali, na sua frente, estejam pessoas de carne e osso. São números na matrix. E a resposta é: Não pode. Não dá.
Os estudantes que entraram na reunião do CUn exigindo serem vistos não querem que a UFSC burle as leis, nem que não siga os editais. Querem que a administração tenha a sensibilidade de enxergar o problema e caminhar para uma solução. Hoje são 12 pessoas que estão em situação de emergência. Amanhã, indefectivelmente, serão mais.
Os pobres e os pretos estão entrando na UFSC. Os pobres e os pretos estão falando na UFSC. Essa é uma realidade que não tem mais volta.