Em outubro de 2014,a ONU aprovou pela 23ª vez consecutiva, resolução pela suspensão da medida
Gustavo Guerreiro* – O Povo
O ano de 2014 terminou com a histórica notícia sobre a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos. Apesar do peso simbólico dessa reaproximação, a normalização das relações entre os dois países ainda está incompleta. É que, para além da diplomacia, persiste um embargo que impõe sanções econômicas e políticas draconianas aparentemente intermináveis, que penalizam principalmente a população da ilha caribenha.
A permanência desse bloqueio é ato unilateral e ideológico. A não ser pelo combate ao socialismo (que a direita afirma estar morto, mas que a toda hora identifica sua presença em países como Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e China), não exprime nenhum fundamento racional na política geoeconômica e geoestratégica estadunidense. A política anti-Cuba de Washington representou uma violação grosseira e de longo prazo dos direitos humanos de 11 milhões de cidadãos da ilha, na esperança de que se “rebelariam” sob tal pressão. Não o fizeram.
O embargo não beneficiou nem os próprios EUA, muito menos “libertou” o povo cubano.
A comunidade internacional manifestou, reiteradamente, explícita desaprovação ao bloqueio como método de pressão política. Em outubro de 2014, a Assembleia Geral da ONU aprovou pela 23ª vez consecutiva, desde 1992, resolução pela a suspensão do embargo contra Cuba, que recebeu o apoio de 188 dos 193 membros. Somente EUA e Israel (a reboque do primeiro) votaram contra o texto, enquanto Micronésia, Palau e Ilhas Marshall se abstiveram. Até mesmo importantes alianças regionais representadas pela Colômbia e Chile condenam o embargo.
A reaproximação diplomática mostrou a importância política de instituições religiosas, como a Igreja Católica e as organizações judaicas, que tiveram participação determinante nas negociações para a libertação de três dos cinco agentes de inteligência cubanos e de Alan Gross, membro da USAID que atuava em Cuba. O anúncio coincidiu com a festa judaica do Hanukkah (Grossé judeu) e com a festa de São Lázaro (sincretizado nas religiões afro-cubanas coma divindade Obaluaiyê, associado à cura) e não poderia ter ocorrido em momento mais adequado.
O tenso quadro internacional também foi determinante, por apresentar desafios à política externa estadunidense: a Europa sinaliza provável confronto bélico com a crise ucraniana; no extremo oriente asiático, as tensões no Mar do Sul da China indicam risco de conflito armado com o Japão; na Ásia central e Oriente Médio, o Talibã e o Estado Islâmico promovem massacres e desafiam o mundo ocidental, enquanto regiões inteiras da África experimentam progressiva desestabilização com a epidemia de Ebola e o jihadismo islâmico de grupos como o Boko Haram.
Com o mundo em ebulição, o mais sensato seriapreservar a América Latina e Caribe como “zona de paz”. Não há mais espaço para o “Corolário Roosevelt” (do Presidente Theodore Roosevelt), que estabelecia uma esfera de influência dos EUA na América Latina, baseada na “diplomacia do porrete”, sendo suplantado pela Política de Boa Vizinhança durante a gestão de Franklin Delano Roosevelt. O século XX foi permeado de exemplos em que o uso damacht politik (política da força bruta) não encontrou sustentação a longo prazo.
Na contramão da história, o congresso estadunidense insiste em manter (ou até reforçar) a lei federal Helms Burton, que endurece o embargo. Em período de domínio republicano na Câmara e no Senado, revogar a lei será difícil. E ainda que ocorra, isso não significará que os EUA tenham abandonado repentinamente sua tradicional postura de dominação unipolar. Pelo contrário, é provável que estas últimas ações façam parte de sua estratégia de soft power (em relações internacionais, o poder de influenciar outras nações por meios brandos).
Reforçar o bloqueio seria um tiro no pé. Outros países investem em comércio com Cuba sem nenhum impacto político evidente. Torna-se urgente para a América Latina que os EUA recomponham as relações com Cuba e com os demais países da região em um patamar de respeito e igualdade. Cabe saber até onde Washington poderá conduzir essa política, em que poderosos interesses internos e externos se impõem. A questão cubana ainda levará bastante tempo para ser superada.
*Sociólogo e Pesquisador do Observatório das Nacionalidades