Por Caio Floriano dos Santos*
Faz alguns meses li a manifestação intitulada “Eu vi o horror e vos acuso!”[1], da Profa. Andréa Zhouri (GESTA/UFMG), sobre o “simulacro de democracia” realizado para a concessão da Licença de Operação “para a criminosa empresa mineradora da África do Sul, Anglo American”. Ao ler o texto fiquei chocado e impactado, apesar de considerar as Audiências Públicas um “circo” onde o “espetáculo” já tem um roteiro e um final previsível que é a concessão das licenças ambientais, salve algumas exceções.
Porém, após participar das Audiências Públicas (03 e 04/12/2014 nos municípios de Rio Grande e São José do Norte/RS, respectivamente) para a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA do Projeto Retiro (Exploração de Titânio e Zircônio), da empresa Rio Grande Mineração – RGM, no município de São José do Norte/RS, o texto fez ainda mais sentido. Principalmente pelo “ritual macabro de tortura psicológica e emocional”, onde o que estava em discussão não era a análise do projeto e seus reais impactos sobre a vida daquelas comunidades, mas sim apenas um jogo de cena entre diversos interesses econômicos para o mesmo território, por mais que aquela população gritasse e se posicionasse contra.
O que se viu foram cenas de total desrespeito com a população que se fazia presente buscando se manifestar, muitos não queriam saber dos interesses e as brigas travadas entre diferentes projetos econômicos (reflorestamento de Pinus (já consolidado no município), Mineração (Titânio e Zircônio) e Projetos Eólicos), mas apenas saber qual seriam os impactos sobre as suas terras e suas pequenas lavouras, muitas delas para subsistência como relatado. Mas por qual motivo deveria o Estado se preocupar com isso, não é mesmo?
Mas, certamente, um dos fatos que mais me impressionou foi a “arrogância do saber”, onde os títulos acadêmicos (o saber como poder para poder falar) eram usados a todo momento para desqualificar as manifestação contrárias ao projeto de mineração, colocando aquele saber empregado para a elaboração do EIA como único e consolidado, ou seja, o saber técnico-científico como uma verdade absoluta. Desqualificação essa que contou com a anuência do IBAMA ao não repreender o empreendedor e sua consultoria, não cumprindo com sua função naquela Audiência Pública. Esse tipo de situação chegou a ser repreendida pela Procuradora Federal da República, Anelise Becker, durante a primeira Audiência, lembrando ao representante do IBAMA (presidente das Audiências) que deveria cumprir seu papel de mediador e evitar qualquer desrespeito por parte do empreendedor com os presentes, mas pouco pareceu adiantar.
Isso fez com que a população continuasse “escanteada” no seu direito de manifestação, restringindo suas falas e a exposição do seu conhecimento sobre a localidade, mas certamente essa arrogância não conseguiu calar totalmente a população presente, que da sua forma deixou claro todos os problemas e impactos socioambientais negativos do projeto, e gritou ainda mais alto para que se reconheça o direito de permanecer em suas terras e a garantia do seu modo de vida.
A pergunta que fica é: Quem garantirá o direito dessa população de permanecer em suas terras e manter seus modos de vida? O certo é que outras lutas ainda estão por vir e há ainda muito o que se gritar!
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* Caio Floriano dos Santos – Cidadão Brasileiro. Pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil (FURG).
(1) Texto disponível em: http://racismoambiental.net.br/2014/10/01/eu-vi-o-horror-e-vos-acuso-por-andrea-zhouri-denuncia-forte-e-corajosa-que-precisa-ser-espalhada/
Caio,
Muito bom o texto!
Sintético e com linguagem clara, acessível!
Vocês pediram o vídeo da audiência?
Um abraço,
Sebastião