Ativista que participa de evento do CEAF defende manutenção de grupos em reservas ambientais
As comunidades indígenas e tradicionais são exemplos da diversidade humana e têm um importante papel na preservação do meio ambiente, mas estão sendo varridas do mapa pelo modelo de desenvolvimento econômico que adotamos.
Essa é a opinião da jornalista e ativista socioambiental Tania Pacheco, coordenadora-executiva do Mapa dos Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil que participa nesta sexta-feira (11) do seminário “Comunidades Tradicionais e Unidades de Conservação”, realizado pelo CEAF no município de Registro.
Tania defende a manutenção das comunidades tradicionais em unidades de conservação e pede que o Ministério Público ajude a esclarecer as demais instituições públicas sobre a incoerência de expulsá-las do local onde vivem há séculos. “É algo absurdo tentar colocar para fora de um lugar aqueles que cuidaram dele, como se isso fosse uma forma de proteger”, afirma.
Veja trechos da entrevista concedida por ela antes do evento.
Você foi responsável por coordenar o mapa dos conflitos envolvendo a injustiça ambiental. Que conflitos são esses? Quem está contra quem ou o quê?
O mapeamento infelizmente ainda não acabou. Ele ganha, a cada dia, novos conflitos. O que acontece neste país é o óbvio. Temos um modelo de desenvolvimento fundamentado num neoliberalismo desenfreado, que evidentemente quer tirar de sua frente tudo aquilo que o separa da maximização de seu lucro. No campo, esses obstáculos são os indígenas, que são jogados para a beira da estrada, os remanescentes de quilombos e uma infinidade de comunidades tradicionais que estão Brasil afora. Que comunidades são essas? São pescadores artesanais, ribeirinhos, faxinalenses [grupos sociais que ocupam pontos específicos do centro e do centro-sul do Paraná], quebradeiras do coco babaçu [mulheres que vivem em regiões do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins], apanhadores de flores sempre-vivas [de Minas Gerais], e extrativistas variados. A cultura e as tradições deles são uma demonstração clara da nossa riqueza e diversidade. Essa riqueza toda, que deveria estar sendo preservada, é jogada para fora do mapa ou para as periferias das cidades.
O conflito então se dá entre inúmeros grupos minoritários e o modelo de desenvolvimento econômico?
A grosso modo, é isso. Esse modelo tem diversas caras, a da mineração, a dos monocultivos, a das barragens hidrelétricas, e a da especulação imobiliária. As populações atingidas e que se revoltam contra isso são os atores que estão no mapa de conflitos. O critério do nosso mapeamento é se esses grupos estão lutando contra o que acontece. Se não, pode até haver injustiça socioambiental, mas não há conflito.
O evento do qual você participará, em Registro, trata especificamente das comunidades tradicionais e das unidades de conservação. Como se dá a relação desses grupos com o meio ambiente?
Normalmente, a relação entre as comunidades tradicionais, povos indígenas e o meio ambiente é de total harmonia. A coisa se complica quando pessoas que teoricamente deveriam estar lidando com o meio ambiente de uma forma ultrapositiva têm uma visão equivocada dessa relação. Em vez de eles entenderem que um pedaço específico de Mata Atlântica, por exemplo, está conservado justamente porque nele tem um quilombo ou outra comunidade tradicional há centenas de anos, surge uma interpretação inversa. Chega um cidadão preservacionista que não entende absolutamente nada disso e resolve colocar ali em cima não uma plantação de soja ou uma mina, mas uma unidade de conservação e proteção integral. E decide que aquelas criaturas que estavam ali havia séculos têm de ser submetidas sumariamente a um processo de expulsão, de reintegração de posse. É algo absurdo tentar colocar para fora de um lugar quem cuidou dele, como se isso fosse uma forma de proteger.
Como as instituições que integram o sistema de Justiça entram nesse tema? Elas são parte do problema?
Não dá para generalizar. A única generalização que pode ser feita, com algumas exceções, é em relação ao Ministério Público Federal, que alcança um desempenho excelente em praticamente todos os Estados brasileiros em razão de sua 6ª Câmara, especializada em povos indígenas e comunidades tradicionais. Já as atitudes e comportamentos das Defensorias Públicas e dos Ministérios Públicos dos Estados são variáveis. Há Estados em que há um esforço nesse sentido, e outros em que não há. Até porque nem toda Defensoria e MP tem uma relação tranquila e autônoma em relação ao Executivo para desempenhar suas funções.
O Ministério Público, especificamente, poderia melhorar a sua atuação de que forma?
Há muitas situações que só receberão o tratamento adequado se houver um trabalho de parceria entre Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos Estados. Essa integração deve ser estimulada. Vocês tem um problema de floresta estadual brabo aqui em São Paulo, em razão de uma visão estreita, e o MP pode ajudar imensamente a esclarecer o Executivo e as demais organizações da sociedade. Não acho que todas as pessoas ignorem essas questões por má fé. Muitas vezes, é porque nunca haviam parado para pensar. Então, um questionamento do MP é importante. Uma coisa é a comunidade ou o movimento social questionar, e outra coisa é o MP questionar.
Você pode dar um exemplo concreto de como a relação das comunidades indígenas e tradicionais com o meio ambiente é importante?
Em 11 anos, de 2000 a 2011, a humanidade gastou 73% da cota de carbono que tinha para gastar até 2100 para evitar um aumento da temperatura média do planeta em quatro graus. Por outro lado, um estudo que acabou de ser lançado para a COP 21 mostra que 20,1% da reserva florestal de carbono do planeta estão dentro de terras indígenas. O problema é que, desse percentual, 9,0% das terras não estão reconhecidas. São terras que estão sendo reivindicadas, mas que estão ameaçadas e livres para a soja, a cana e o boi entrar. Por uma questão de sobrevivência da civilização, as pessoas têm de acordar. Não dá mais para deixar o dinheiro ser a coisa mais importante.