Comunidade rural não dorme com medo de barragem ceder

Suspeitas de trincas em estrutura e questionamento do MPMG reforçam temor

João Renato Faria – O Tempo

Conceição do Mato Dentro. Quando a dona de casa Marlene Carvalho, 59, passa as mãos calejadas pelo rosto, fica evidente que ela está cansada. Desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, no último dia 5, ela não consegue dormir direito. O medo é que a tragédia que devastou o distrito de Bento Rodrigues se repita na sua casa, que fica na comunidade de Água Quente, em Conceição do Mato Dentro. Apesar de estar oficialmente na região do Alto Jequitinhonha, a cidade fica a 167 km da capital. O imóvel simples será um dos primeiros a serem atingidos pela onda de rejeitos caso a barragem construída há cerca de dois anos, como parte da operação Minas-Rio, da mineradora Anglo American, ceda. Todo o vilarejo seria soterrado em nove minutos.

“Aqui, acabou o sossego. Como é que dorme sabendo que pode acontecer uma coisa dessas?”, questiona Marlene. A preocupação é compartilhada pelas 46 famílias que moram no lugarejo, atingido duramente pela instalação da indústria de extração de minério de ferro. Em pé de guerra com o empreendimento desde o início da operação, os moradores desconfiam do estado da barragem. Problemas como licenciamentos ambientais concedidos de forma acelerada e o descumprimento de condicionantes estabelecidas em contrato também são alvos de questionamentos do Ministério Público de Minas Gerais.

“Pessoas que trabalham lá dentro nos disseram que ela tinha pelo menos três trincas grandes”, diz o lavrador José Helvécio Cesário, 57, marido de Marlene. Ele visitou Bento Rodrigues após a tragédia. “Eu já tinha medo, mas fiz questão de ir ver de perto o que pode acontecer com a gente. Foi muito triste ver aquela devastação”.

Moradora de Água Quente desde que nasceu, Maria das Graças Reis, 67, reclama da falta de um sistema de alerta com sirenes. “Não instalaram nada, porque falam que não precisa preocupar, que é tudo seguro. Mas não é o que falavam em Mariana? A verdade é que, se essa barragem estourar, a lama vai levar a gente embora, não dá nem tempo de correr”, lamenta.

Proprietário de uma fazenda que também seria atingida por um eventual rompimento, o comerciante Lúcio Guerra Júnior, 49, diz que o Plano de Ação Emergencial (PAE) da Anglo American detalha que, como está localizada em um vale, com pouquíssimos obstáculos no caminho, a comunidade seria engolida em nove minutos. Água Quente está a 3 km do dique da represa.

Relembre

Mineroduto. Em 2014, um caderno especial de O TEMPO mostrou as dificuldades da comunidade de Água Quente com a instalação do mineroduto que liga a mina ao porto de São João da Barra (RJ).

Atividade trouxe problemas

Não é só o risco de um rompimento que provoca temores nos moradores de Água Quente. Problemas típicos de cidade grande, como acidentes de trânsito e violência, têm tirado o sossego do lugarejo.

“Aqui nunca tinha tido crime. Mas no começo do ano me assaltaram, levando R$ 500 em dinheiro e uma moto que eu tinha. Isso é gente que veio para cá por causa da mina”, diz o lavrador José Lúcio Reis, 47. Ele também se acidentou duas vezes com os veículos da Anglo American.

“Em um deles, eu fui atropelado e quebrei a clavícula. Fiquei três meses parado, disseram que iriam me ajudar, mas nem aqui para ver como eu estava vieram”, conta Reis, que não registrou boletim de ocorrência do acidente.

Mineradora nega risco de rompimento

A mineradora Anglo American, responsável pela construção da barragem, negou em nota que a construção ofereça qualquer risco e garantiu que não existem trincas que ameacem a integridade da estrutura de contenção de rejeitos do Sistema Minas-Rio.

“Ela foi projetada, construída e é operada em conformidade com rigorosos critérios e requisitos de segurança, e conta com atestado de declaração de estabilidade emitido por empresa especializada”, afirma.

Ainda segundo a empresa, a barragem passa por fiscalizações anuais de técnicos da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), sendo que a última foi realizada no dia 31 de julho deste ano. Além disso, a Anglo American garante ter equipes de prontidão na área da mina para atendimentos de emergência.

Foto: Preocupação. Marlene e José Helvécio Cesário passam os dias em alerta, temendo que uma onda de lama os atinja a qualquer momento

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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