Gean Rocha, Adital
No último dia 20 de novembro, os quilombolas da Comunidade Boa Vista, do Município de Oriximiná, Estado do Pará, celebraram os 20 anos da titulação de sua terra, a primeira a ser titulada no Brasil, em cumprimento ao artigo 68 do ADCT [Ato das Disposições Constitucionais Transitórias], da Constituição brasileira. A titulação pioneira de Boa Vista ocorreu sete anos após a Constituição Federal reconhecer o direito dos quilombolas à propriedade de suas terras. Desde então, a lentidão nas titulações permanece.
As 15.298 famílias que se encontram atualmente em áreas regularizadas representam somente 7,1% do tltal 214 mil famílias que a Seppir [Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial] estima ser a população quilombola no Brasil.
Além de Boa Vista, são poucas as comunidades quilombolas que podem contar com a segurança da terra titulada. Segundo um levantamento da Comissão Pró-Índio de São Paulo, são apenas 250 comunidades, vivendo em 161 terras quilombolas já regularizadas. Um número extremamente limitado, tendo em vista os mais de 1.500 processos em curso no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] para regularização de terras quilombolas, e de outros tantos que tramitam nos órgãos estaduais. 93% das famílias quilombolas no Brasil ainda esperam que o governo garanta a efetividade do direito assegurado na Constituição Federal.
A maior parte das terras quilombolas foi titulada por governos estaduais (132 titulações), com destaque para Governo do Pará (49 terras) e Maranhão (52 terras). O governo federal, da presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT] titulou apenas 14 terras, 13 delas parcialmente. A dimensão das terras regularizadas por Dilma soma cifras bem modestas: apenas 4.411 hectares.
Em entrevista à Adital, o assessor de Programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo, Otávio Penteado, explica que as maiores dificuldades na titulação das terras quilombolas vêm do fato de que, durante duas décadas de regularização, o governo federal e os governos estaduais não construíram e consolidaram uma política efetiva de regularização fundiária das terras, com metas, equipe técnica e orçamento compatível com a demanda. Os procedimentos foram tornando-se cada vez mais burocratizados, deixando as comunidades vulneráveis, enquanto aguardam a titulação.
“O governo não tem mostrado interesse em que as terras quilombolas sejam regularizadas, sem uma espera de anos e anos pelas comunidades. Há, por exemplo, pouquíssimos técnicos do Incra responsáveis por encaminharem os mais de 1.500 processos, e não há como eles darem conta da demanda, apesar dos seus esforços para acelerarem o andamento dos processos” comenta.
O ano de 2015 não mostra um cenário diferente, apenas quatro terras quilombolas foram tituladas até 16 de novembro. Duas pelo governo federal, por meio do Incra, e duas pelo Governo do Pará, por meio do Instituto de Terras do Pará.
A titulação de terras quilombolas pode ser ainda mais comprometida, caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 215, que altera o Artigo 68 do ADCT, da Constituição Federa,l e determina que as terras quilombolas e indígenas sejam regularizadas por meio de Lei. Isto significa que a titulação de terras quilombolas passaria também a ser atribuição do Poder Legislativo, ao invés do Executivo, como é atualmente.
A Comissão Pró-Índio de São Paulo alerta que a aprovação da PEC 215 seria mais um obstáculo para que os mais de 1.500 processos abertos no Incra venham a ser concluídos.
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Imagem: Imagem: Família de Dona Clemência Brandão, Quilombo dos Ausentes (Reprodução de http://fflch.usp.br/)