‘É PAC pra um lado e PEC pra outro, tá difícil para os povos indígenas’, diz liderança em encontro na PGR

Durante audiência pública sobre a PEC 215, presidente da Funai foi vaiado e chamado de traidor por conta da licença de operação de Belo Monte

Letícia Leite, ISA

A Procuradoria Geral da República (PGR) recebeu quase 400 índios de todas as regiões do Brasil, na tarde desta quinta-feira (26/11), para discutir o direito à demarcação de Terras Indígenas (TI) no País (veja vídeo abaixo). A convocatória do encontro aconteceu após a Comissão Especial da Câmara dos Deputados ter aprovado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, no dia 27/10. A proposta ainda segue ao plenário da Câmara e pode ser votada a qualquer momento. Se aprovada, na prática, a PEC pode paralisar de vez a regularização de territórios indígenas e quilombolas no País ao dar ao Congresso a última palavra sobre os limites dessas áreas.

Audiência foi organizada para discutir PEC 215 | Victor Pires - ISA
Audiência foi organizada para discutir PEC 215 | Victor Pires – ISA

Dezenas de etnias indígenas, várias organizações indigenistas, entre elas o ISA, deputados e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Costa, participaram da audiência.

“É PAC para um lado e PEC para outro, tá difícil para os povos indígenas”, disse Srewe Xerente, de Tocantins. O PAC é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e inclui várias obras que afetam os povos indígenas.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) lembrou que o texto da PEC 215 em tramitação é ainda pior que o arquivado no fim do ano passado, após mobilização dos povos indígenas. Na tentativa de conquistar o movimento indígena, o projeto foi reformulado e define como obrigatória a presença de um representante indígena entre os 513 deputados federais. “Um índio e 512 caciques não vale, é um docinho que não engana ninguém”, disse Alencar.

Lideranças indígenas também afirmaram que deputados da bancada ruralista tentaram ludibriar os índios com modificações no projeto. “Não podemos nos deixar enganar”, disse a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara. A liderança do estado do Maranhão saiu confiante do encontro. “No ano passado, nós conseguimos parar a PEC215 por conta da presença dos índios aqui em Brasília. Este ano vamos conseguir novamente”, disse Sônia

Presidente da Funai é criticado

O presidente da Funai foi duramente criticado por lideranças que vivem na bacia do Rio Xingu por causa da Licença de Operação de Belo Monte, emitida na última terça-feira (24/11). “Este presidente é um traidor. Conversou com a gente, viajou pro Mercosul e canetou Belo Monte. Ele precisa assumir isso aqui hoje”, disse Kulumaka Matipu (veja o vídeo).

João Pedro defendeu-se e disse ter sido vítima de um complô da imprensa e dos ruralistas contra a Funai. Fez menção a reportagens que traziam a autorização da Funai para a operação da usina, quatro dias antes da licença ser oficialmente emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). “Eu não autorizei coisa nenhuma, a Funai não tem esta competência”, disse, em tom de desabafo.

O Ibama é o órgão licenciador de Belo Monte e emite a decisão a partir de pareceres técnicos de sua própria diretoria e de outros órgãos, como a Funai, responsável por avaliar as condicionantes indígenas da usina. Costa enviou ao Ibama, no dia 12/11, um ofício relatando que “todas as demais ações relacionadas ao Componente Indígena necessárias, precedentes e preparatórias para o enchimento do reservatório e para implementação do trecho de vazão reduzida (TVR) também foram integralmente cumpridas”. A licença foi emitida oito dias úteis após o comunicado da Funai.

Costa disse ainda que a Funai teve um duro acerto com a empresa Norte Energia, responsável pela obra, na tentativa de assinar um termo de ajuste de conduta (TAC), mas a negociação teria fracassado. “Não assinamos um TAC, mas assinamos outro termo que traz inovações e pode multar a empresa caso ela não cumpra com as condicionantes indígenas”, afirmou.

Projeto de Decreto de deputados pede suspensão da licença de Belo Monte

“A presidente do Ibama disse que não iria dar a licença de Belo Monte sem que as condicionantes fossem cumpridas. ela mentiu para o Brasil. O presidente João Pedro assumiu o cargo com o compromisso de demarcar terras no Brasil e a primeira coisa que fez foi assinar a licença de Belo Monte”, criticou o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), na audiência.

Rodrigues e o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) protocolaram na Câmara um pedido de suspensão da Licença de Operação de Belo Monte. A Mesa da Câmara deverá analisar por quais comissões o Projeto de Decreto Legislativo com o pedido passará antes de seguir ao plenário. Por ser um projeto desse tipo, ele não precisa ir à sanção presidencial.

Procuradora Déborah Duprat conduziu audiência e prestou homenagem à Juliana Santilli | Victor Pires - ISA
Procuradora Déborah Duprat conduziu audiência e prestou homenagem à Juliana Santilli | Victor Pires – ISA

Homenagem Juliana Santilli

A coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF), Déborah Duprat, prestou uma homenagem à sócia fundadora do ISA e promotora de Justiça do MP-DF, Juliana Santilli, que faleceu na semana passada.

“Conheci Juliana como promotora, sempre inquieta, incomodada com a situação e querendo fazer muitas coisas ao mesmo tempo, talvez prenunciando que a vida lhe fosse curta para fazer dessa uma sociedade melhor”, disse Débora, antes de pedir um minuto de silêncio a todos os presentes.

Imagem: Quase 400 índios participaram da audiência | Victor Pires – ISA

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