“Mulheres negras são como mantas kevlar,
Preparadas pela vida para suportar;
O racismo, os tiros, o eurocentrismo,
Abalam mais não deixam nossos neurônios cativos”
(Mulheres Negras, Yzalú)
Por Luka Franca, especial para a Ponte Jornalismo
25 de novembro, dia latino americano de combate a violência contra mulher. Nesse tempo todo em que milito no movimento feminista, ao pensar textos, panfletos e notas para explicar o que é esse dia e o que significa a violência contra mulher hoje no Brasil e no mundo, me vejo repetindo que as mulheres ainda morrem por conta da violência machista e são estupradas cotidianamente. A história se repete, nunca como farsa, mas sempre como tragédia e, nesse mar de violência contra a mulher, acabamos nos deparando com a realidade de que a violência machista se entrelaça diretamente com o racismo.
Há algumas semanas, tivemos acesso ao dado do “Mapa da Violência”: nos últimos 10 anos, o feminicídio das pretas brasileiras aumentou 54%, as mulheres brancas também tiveram um aumento de 9% de mortes no mesmo período, também são vítimas da violência cotidiana, mas o peso do racismo atua diretamente nas nossas vidas como mulheres.
É preciso lembrar o quanto a violência simbólica, a mercantilização, a padronização dos corpos e a manutenção de estereótipos consolidam cotidianamente uma realidade de violência brutal contra as mulheres negras. Podemos identificar essa relação quando olhamos os dados sobre violência sexual no Brasil. No anuário do Fórum de Segurança Pública deste ano foi apresentada a estatística de que no Brasil uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. O relatório se baseou em nota técnica do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicada em 2014, onde é constatado que 51% dos casos de estupro relatados são de pessoas negras.
A violência contra as mulheres e o extermínio do povo negro se entrelaçam brutalmente. Pois é em cima do estereótipo construindo ainda no período da escravidão da figura da mucama que estabelece a relação de violência machista e racista profunda existente até hoje. Em geral, as mulheres são vistas como propriedade dos homens, tendo que ocupar determinados lugares sociais, mas a concretude dessa relação de propriedade estabelecida entre os gêneros é aprofundada com a questão racial.
Durante a campanha #MeuPrimeiroAssédio, a investida da direita machista, branca e heterossexual demonstrava claramente qual é a relação de propriedade perpetuada até hoje entre homens brancos e mulheres negras. O comentário de Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, sobre ter assediado a sua empregada doméstica exemplifica exatamente isso: o lugar da mulher negra até hoje é o de apenas suprir o desejo e isso justifica agressão sexual, física e subjugação moral.
Esse processo todo de objetificação da mulher negra tem outros resultados concretos que os maiores índices de feminicídios ou de agressão sexual. Em São Paulo, o programa DST/AIDS da capital organizou dados demonstrando o quanto a juventude negra LGBT e as mulheres negras têm índice de morte em decorrência da AIDS maior do que outros segmentos da sociedade paulistana.
A violência sofrida pelas mulheres negras não apenas decorrem do machismo, mas do processo existente no Brasil, de genocídio do povo negro. É bom destacar que o maior alvo desse processo é a juventude negra, principalmente os meninos negros. Porém, quando vemos a não garantia de acesso aos sistemas de saúde e educação de forma efetiva, assim como o número de mulheres negras violentadas e mortas, não há como não perceber o fato político da democracia racial, como se fosse uma ação organizada para matar toda uma população não branca – até por que o processo de genocídio no campo é contra quilombolas e indígenas – seja de forma brutal, pelos jagunços ou violência policial, seja pela via da omissão de direitos que acaba por legar cronicidade de doenças diversas que terminam na morte da população não branca.
A compreensão da relação entre raça, classe e gênero para compreendermos o processo de violência em nosso país tem se colocado cada vez mais fundamental e é um enorme desafio. Há, sim diferenças nas políticas públicas de combate a violência contra mulher, principalmente no que tange a acesso, entre brancas e negras, ricas e pobres, cis e trans e essa preocupação de garantir o combate a violência machista de uma forma que garanta a vida de todas as mulheres e não ajudando a invisibilizar este ou aquele segmento social.
*Luka Franca é jornalista e militante do movimento feminista e negro