Gean Rocha – Adital
Nos últimos anos, uma questão agrícola envolvendo o Brasil ganhou força mundial. Trata-se da questão relacionada à liberação de uso de sementes transgênicas do tipo Terminator no plantio. Essa tecnologia produz plantas geneticamente modificadas para tornar as sementes estéreis. Oficialmente chamada de Tecnologia Genética de Restrição do Uso, a técnica foi inicialmente desenvolvida pela empresa Delta & Pine – atualmente, de propriedade da estadunidense Monsanto –, em parceria com o Governo dos Estados Unidos. O suposto objetivo da utilização das sementes Terminator é evitar que os agricultores replantem as sementes colhidas, maximizando assim os lucros da gigante mundial do agronegócio.
Dessa forma, os agricultores ficariam dependentes das sementes vendidas pelas grandes empresas. Como as sementes produzidas pelas plantas transgênicas não são férteis, a prática, bastante comum entre os agricultores, principalmente os pequenos, de guardar sementes para cultivos posteriores torna-se inútil.
Há quase duas décadas, a tecnologia controversa Terminator é amplamente condenada por agricultores, organismos científicos, governos e pela sociedade civil organizada como uma ameaça à soberania alimentar, à biodiversidade e aos direitos humanos.
Segundo ecologistas, o grande perigo do uso da Terminator, além da possibilidade de contaminação de outras plantas – embora os laboratórios afirmem que seu uso é totalmente seguro – está na tradicional concorrência de mercado entre as megacorporações de alimentos e os pequenos agricultores. Pois, tradicionalmente, os pequenos agricultores reaproveitam suas sementes para novos plantios. Com a Terminator e sua característica de esterilidade, esses trabalhadores terão de comprar constantemente novos suprimentos de sementes, que são vendidos pelas mesmas corporações que se interessam em fazer com que seja liberado o uso da semente geneticamente modificada.
Ameaça no Brasil
No Brasil, o Projeto de Lei 268/2007, de autoria do deputado federal Eduardo Sciarra [Partido Social Democrático – PSD – Paraná], que está arquivado na Câmara dos Deputados, prevê a produção e comercialização das sementes Terminator em solo nacional. Desde a sua criação, o Projeto tenta abrir caminho para acabar com a proibição do uso das sementes Terminator e, desde então, já foram expedidos alguns abaixo-assinados, com média de 20 mil assinaturas cada, de modo a demover o governo brasileiro da possibilidade de rever sua posição de proibição.
Já o PL 1117/2015, do deputado Alceu Moreira [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio Grande do Sul], que, atualmente, aguarda a constituição de uma Comissão Temporária pela Mesa da Câmara, altera dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Introduz disposições relativas às tecnologias genéticas de restrição de uso de variedade, e revoga o artigo 12 da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003. Se aprovado pelo Congresso Brasileiro, o Projeto violará uma moratória internacional sobre os testes de campo e a comercialização das sementes Terminator. Esta foi unanimemente aprovada, em 2000, e reafirmada, em 2006, por 192 governos, na reunião da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade, em Curitiba, Estado do Paraná, Brasil.
Em março de 2005, o Brasil aprovou a Lei de Biossegurança Nacional, que baniu a tecnologia Terminator. Alguns meses mais tarde, a então deputada federal Kátia Abreu [DEM – Tocantins/ Atualmente, PMDB] apresentou um projeto que também queria derrubar a proibição, permitindo as isenções. Ela foi nomeada ministra da Agricultura do Brasil, em dezembro de 2014. Agora, a mais recente lei, do deputado Alceu Moreira, permite que a biotecnologia terminator seja usada em qualquer cultura, com seu uso sendo considerado “benéfico”, como uma “ferramenta de biossegurança”. Tem, essencialmente, o mesmo texto do projeto de Kátia Abreu, de 2005.
De acordo com Maria José Guazzelli, agrônoma da assessoria Centro Ecológico, no Estado do Espírito Santo, ao invés de admitir os riscos de biossegurança de transgênicos e a falha para evitar o fluxo de genes indesejados, interesses corporativos no Brasil estão tentando legalizar a tecnologia Terminator, sob o pretexto de biossegurança.
Linha do tempo sobre a tecnologia Terminator:
1998: US Patent e Trademark Office (organização americana de patentes e o Escritório de Marcas) concede a patente # 5.723.765 para a USDA e Delta & Pine Land Company (comprada pela Monsanto em 2006), para um método que tornar as sementes estéreis em sua segunda geração. O Grupo ETC (então chamado Rafi) expõe a patente, denunciando o “Sistema de Proteção da Tecnologia” – como os inventores referem-se a sua técnica de esterilização de sementes – como uma grande ameaça para a biodiversidade e para os agricultores. O Rafi questiona a tecnologia Terminator; em meio à desaprovação crescente da Terminator pela sociedade civil internacional e organismos científicos, a questão vai parar na Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB).
2000: Todos os governos da CDB (atualmente, existem 196 Estados partes) concordam em não permitirem a Terminator para uso comercial ou testes em campo, estabelecendo assim uma moratória de fato (conhecida como decisão V/5).
2001: O Governo da Índia proíbe o registro das sementes Terminator.
2005: Em fevereiro, em um encontro do Conselho Consultivo Científico da CBD, em Bangkok [Tailândia], o Governo do Canadá se move para enfraquecer o consenso de apoio à moratória da Terminator.
2005: Em março, o governo brasileiro aprova uma Lei Nacional de Biossegurança, que proíbe o uso, venda, registro, patenteamento e licenciamento de Tecnologias de Restrição Genética de Uso (GURTs, também conhecidas como Terminator).
2005: Em setembro, um Anteprojeto de Lei é apresentado no Congresso Brasileiro pela deputada Kátia Abreu (PL 5964/2005), que permitiria isenções ao banimento das GURTs, no Brasil, no caso das plantas “biorreativas” (geneticamente modificadas para produzirem substâncias industriais).
2006: Em uma reunião do grupo de trabalho da CBD, em Granada [Espanha], em janeiro, Austrália, Nova Zelândia e Canadá se movem para enfraquecerem a moratória internacional, por meio da introdução do texto para “avaliação de riscos caso a caso”, sugerindo que as partes deveriam considerar as condições em que o uso da Terminator poderia ser aprovado.
2006: Após a mobilização maciça da Via Campesina e outros de movimentos sociais e organizações da sociedade civil do Brasil e do mundo, a reunião de partes da CDB, em março, em Curitiba [Estado do Paraná, Brasil] (COP8) rejeita as propostas de avaliação de riscos caso a caso e concorda em defender e fortalecer a moratória da Terminator; abordando a reunião Ministerial e seguindo a COP8, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva reconhece que a sobrevivência da moratória Terminator foi um dos resultados significativos da COP8.
2007: Um segundo projeto de lei é apresentado no Congresso Brasileiro (PL 268/2007), que permitiria derrogações à proibição de GURTs, impostas pela lei de biossegurança de 2005 no país. O Projeto de Lei, repetidamente denunciado pela sociedade civil nacional e internacional, estacionou no Congresso.
2009: Uma terceira proposta de Projeto de Lei (PL 5575/2009), permitindo os GURTs, é apresentada no Congresso brasileiro, mas não avança.
2013: (outubro-dezembro) A legislação proposta, introduzida em 2007 (PL 268/2007), começa a tramitar em Comissões do Congresso brasileiro, até que chegou à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O Projeto de Lei ressuscitado acumula oposição nacional e global, incluindo uma petição no change.org, assinada por organizações e quase 70 mil pessoas. O referido Projeto de Lei foi arquivado em dezembro, no encerramento da sessão do Congresso.
2014: (dezembro) A presidenta Dilma Rousseff nomeia Kátia Abreu, impulsionadora do agronegócio e autora do Projeto de Lei de 2005 Pró-Terminador, introduzido no Congresso brasileiro, como nova ministra da Agricultura do Brasil.
2015: (abril) O deputado Alceu Moreira da Silva, do PMDB, mesmo partido da ministra Kátia Abreu, introduz um novo Projeto de Lei no Congresso Brasileiro (PL. 1117/2015), que reproduz o texto principal do Projeto de Lei pró-Terminator, de Kátia Abreu, em 2005. Este que permite que a Terminator seja usada em culturas industriais (por exemplo, culturas farmacológicas ou de combustíveis), e para qualquer planta que possa ser multiplicada vegetativamente; e, potencialmente, para qualquer cultura em que seu uso é considerado benéfico, como uma “ferramenta de biossegurança”.
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Foto: Plantas são geneticamente modificadas para produzirem sementes estéreis