O texto/depoimento abaixo foi postado por seu autor, o analista ambiental Wallace Lopes, em seu perfil no facebook. Ele responde a muitas perguntas que vêm sendo feitas em relação a essa onda de destruição que começou em Mariana e segue até o oceano Atlântico, com informações que merecem ser consideradas. E deixa bastante clara a importância do papel a ser desempenhado por nós, no monitoramento e cobrança de tudo o que está ainda por vir. (Tania Pacheco).
Por Wallace Lopes
Tentei me segurar, mas não consegui. Vou aqui dar a minha opinião como analista ambiental e como cidadão sobre o caso de Mariana-MG.
Vi muitos aí xingando os fiscais do Ibama pelo órgão ter dado apenas 250 milhões em multa à Samarco. Primeiramente é bom que a sociedade entenda que a lei que define o valor máximo das multas por infrações ambientais é de 1998. Está lá no Art. 75 da lei 9.605/1998, caso queira conferir. Então, já são 17 anos que o valor máximo de multa, que é de 50 milhões, se mantém congelado.
Todos nós sabemos que a responsabilidade pela edição das Leis é do congresso. Obviamente, muita gente lá dentro é contra o endurecimento da legislação ambiental, por isso não vejo nenhuma perspectiva de mudança neste assunto. Então, meus amigos, quando acontece algo nas proporções deste incidente em Mariana e com empresas do porte destas que estão envolvidas no caso, 50 milhões fica mesmo parecendo ineficiente como punição. Porém, o Ibama está agindo com o máximo de rigor que a Lei vigente permite. Por isso é que, até o momento, foram lavradas 5 multas diferentes no valor máximo permitido pela legislação. E ainda vem mais multas, podem esperar.
Vi muitos aí perguntando se a multa vai para os atingidos pelo desastre. A resposta é NÃO. As multas, quando pagas, vão para conta do Tesouro Nacional. Costumamos dizer que vai para o buraco negro do governo. E tem mais umas coisas que é bom que estejamos cientes. Esse dinheiro não vem tão cedo para o caixa do Tesouro Nacional. A empresa tem duas opções: ou ela paga as multas; ou ela recorre administrativamente. Se a empresa resolve pagar as multas (o que é pouco provável) ela recebe um descontão de 30%, conforme Art.113 do Decreto Federal 6.514/2008, aí aquilo que seria 250 cai para 175 milhões. Se ela recorrer, o processo passará por duas instâncias administrativas até o seu trânsito em julgado. Quando o processo administrativo chegar no fim, os advogados da empresa vão recorrer na justiça alegando alguma falha no processo de apuração das infrações. A partir daí a cobrança e a execução fiscal da empresa nos valores definidos no processo ficam interrompidas aguardando uma decisão da justiça, a qual pode ou não reformar a decisão de aplicação da multa. Isso que contei em poucas linhas acontece em média em 5 anos.
Vi muitos aí dizendo que multa não resolve nada, ainda mais nesse valor. Eu concordo em parte. O que verdadeiramente pune no caso de grande corporações é o embargo da atividade, a obrigação de recuperação dos danos e a indenização das pessoas diretamente afetadas. O embargo da mineradora já foi realizado pelo Estado de Minas Gerais. Cada dia parado são milhões a menos. A recuperação dos danos é uma obrigação e a empresa vai ter que cumprir. Cabe a gente ficar de olho nas propostas que serão apresentadas para saber se a ações vão ser eficazes. A participação popular é importante demais nesse momento. Somando tudo, os dias que a mineradora ficará embargada, as multas, gastos com contenção e recuperação de danos ambientais e sociais, as indenizações aos afetados e às famílias das vítimas, entre muitas outras coisas que ainda é cedo para contabilizarmos, certamente falaremos aí na casa dos bilhões.
Vi muitos aí dizendo que o Ibama só chega na hora de multar e que deveria ter fiscalizado antes da tragédia acontecer. No entanto, é necessário compreender que quem detém a responsabilidade pelo licenciamento, e consequentemente pela fiscalização e monitoramento ambiental desse empreendimento, é o Órgão Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais. Mas aí podem perguntar: porque então o Ibama está atuando se o licenciamento da barragem não foi conduzido por ele? Isto se deve porque os danos ocorreram em um rio federal e se estenderam por mais de um Estado. Além disso, o Ibama está atuando com a sua equipe de emergências ambientais que, legalmente, tem o papel de dar assistência e apoio operacional às instituições públicas e à sociedade em questões de acidentes e emergências ambientais e de relevante interesse ambiental.
Aqui cabe lembrar de uma instituição que quase não se vê citada nas reportagens e nos comentários dos internautas. O Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM. Este sim tem, no âmbito de suas atribuições, a responsabilidade de fiscalizar a pesquisa e a lavra para o aproveitamento mineral, bem como as estruturas decorrentes destas atividades, inclusive as barragens. O DNPM detém também a responsabilidade na implementação dos Planos de Segurança das Barragens de Mineração e na vistoria e análise dos Relatórios de Inspeções de Segurança Regulares de Barragem, os quais têm o objetivo de avaliar as condições físicas das partes integrantes da barragem visando identificar e monitorar anomalias que afetem potencialmente a segurança da barragem de mineração.
Mas não vamos perder de mente que o DNPM, assim como o Ibama e a FEAM, possuem uma quantidade enorme de responsabilidades para um quantitativo mínimo de recursos humanos e financeiros atualmente disponibilizados. É a velha teoria do cobertor curto. Neste caso a Samarco estava na parte descoberta.
Nessa hora todos ficamos muito tristes e revoltados ao vermos cenas das pessoas desabrigadas, de animais presos na lama, de peixes boiando rio abaixo… É natural que queiramos encontrar os culpados e fazê-los pagarem caro por todo esse transtorno. E olha que não somos nós os que estão com a casa soterrada na lama ou sem água até pra beber. Se nós estamos perplexos, imagine os parentes das vítimas?
Sendo assim, peço que tenhamos um pouco de paciência com as coisas. Já mostrei aqui que muito do que as pessoas veem como má vontade ou inércia dos órgãos públicos são na verdade entraves burocráticos estabelecidos em leis e normas as quais eles estão sujeitos. E quando não estão reféns de legislações ultrapassadas, estão fazendo tudo aquilo que lhes é possível, dentro de todas as limitações técnicas e financeiras, mas com muito amor e boa vontade no coração.
Afinal, o Ibama, a FEAM, o DNPM, os Bombeiros, o MPF, a Defesa Civil e todos os outros órgãos públicos desse Brasil são feitos de pessoas como eu e você.
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Foto de Douglas Magno.