Marcelo Faria, Estado de Minas
Ainda é difícil contabilizar os imensos prejuízos causados pela ruptura de duas barragens de rejeitos da Samarco em Mariana e suas consequências, mas, mesmo faltando muito para descobrir os culpados pelo acidente, é inevitável chegar a responsabilidade da mineradora no caso. “A empresa agiu como um motorista bêbado. Estava ciente dos riscos e seguiu em frente”, disse Klemens Laschefski, professor do Instituto de Geociências da UFMG e pesquisador do Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (Gesta). Destacando diversos laudos e documentos que indicavam o risco no local, o professor analisou a questão do licenciamento ambiental em empreendimentos como a mina de Germano, local da tragédia.
Alemão radicado no Brasil, Klemens fez comparações entre os dois países: “as leis são até parecidas, mas a cultura aqui é muito diferente”. O professor destacou que não é incomum que um empreendedor consiga o licenciamento ambiental com algumas ressalvas e, ainda assim, consiga operar sem resolver essas pendências. “Nós recentemente (Gesta) acompanhamos a questão do minerioduto Minas-Rio da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro. Há mais de 400 condicionantes a serem cumpridos e eles conseguiram a licença”, contou.
E esse não é o único problema com o sistema de licenciamento ambiental brasileiro que, em tese, alivia as responsabilidades de empresas na prevenção de desastres como o de Mariana. Também pesquisador do Gesta, o professor de Antropologia da Fumec, Marcos Zucarelli, destacou algumas das falhas que são exploradas por empresas para obter licenças de empreendimentos de grande impacto, como, por exemplo, uma mina.
“A empresa tem noção do tamanho da estrutura que será necessária, mas fragmenta o licenciamento para facilitar sua aprovação, ao invés de entrar com um grande pedido de uma vez. Como é mais fácil aprovar, por exemplo, uma barragem com impacto ambiental menor que o empreendimento todo, essa acaba sendo uma forma de ludibriar o estado” Dessa forma, cada avaliação de licenciamento leva em consideração apenas uma fatia de um grande empreendimento, sem considerar, por exemplo, a sinergia que duas barragens de rejeitos, uma ao lado da outra, causam na avaliação de riscos de acidentes. E para pressionar ainda mais os orgãos responsáveis, muitas vezes um segundo licenciamento é colocado com essencial para o funcionamento de um empreendimento que já opera sob uma primeira licença.
Sem eximir a responsabilidade da empresa, o engenheiro geólogo Edézio Teixeira de Carvalho aponta que são muitos os culpados pela tragédia em Mariana. “Independente da empresa, acredito que a prefeitura deveria ter elaborado uma carta geológica para avaliar esses riscos”, afirmou Edézio. “Não que eu ache que o prefeito atual tem culpa, mesmo porque ele acabou de assumir. Mas os municípios e talvez até mesmo o Estado deveriam se envolver. Eu assinei a primeira carta geológica do Estado de Minas Gerais há mais de 20 anos e ali já era possível prever alguns riscos”, completou.
Simplificação da lei
“Nós temos leis boas, algumas até melhores que na Alemanha”, destacou o professor Klemens, da UFMG. Mas alguns problemas na legislação atual geram vícios graves no sistema. Um exemplo são as consultorias em licenciamento ambiental: elas são contratadas e pagas pela empreendedora. Com isso, se alguma delas se posicionar de alguma forma que impediria ou atrasaria o processo de licenciamento ambiental, muito provavelmente ‘sujaria’ seu nome no mercado e jamais seria contratada novamente.
Só que ao mesmo tempo que existem iniciativas para aumentar o controle nestes processos, o foco maior das autoridades hoje é diferente: a simplificação dos processos de regulação.
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, falou sobre o assunto em um debate da 16ª Exposibram, que aconteceu em setembro deste ano no Expominas. “Em Minas Gerais, nós temos uma situação complicada na área de regulação. Nós herdamos uma estrutura, um complexo organizatório institucional muito ineficiente. Os licenciamentos são muito lentos, demorados, que exigem muitas vezes procedimentos quase punitivos do licenciado e, muitas vezes, não são feitos de forma adequada. Projetos de bilhões de reais estavam parados por falta de licenciamento ambiental”, disse ele no evento, que reúne as principais empresas do setor do mundo inteiro.
Depois da tragédia em Bento Rodrigues, o governador Fernando Pimentel voltou a falar do assunto, em uma coletiva nesta quarta-feira em Governador Valadares, atingida pela lama das barragens.“Nós precisamos rever a legislação desse estado. Ela é antiquada. Ela impõe multas, sem efeito efetivo. Isso vamos rever”, disse, sem se aprofundar no assunto.
Consultada a respeito das declarações dos especialistas, a Samarco informou que todas as suas licenças ambientais estão em dia. A empresa também garantiu que na última fiscalização, que ocorreu em julho de 2015, as barragens encontravam-se em totais condições de segurança. Segundo a mineradora, também são realizadas inspeções próprias, conforme Lei Federal de Segurança de Barragens, e uma equipe de operação em turno de 24 horas faz manutenção e identificação, de forma imediata, de qualquer anormalidade. A multa preliminar pelos danos causados pelo acidente é de R$ 250 milhões.
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Imagem: Reprodução do vídeo