Homens que possuem espaço na mídia foram instigados a ficarem como espectadores na semana que passou, ao invés de escreverem e publicarem textos sobre os direitos das mulheres e questões de gênero. Ou seja, promoverem uma ocupação de seu espaço para que elas falassem por si. De segunda a domingo (8), este blog esteve ocupado por mulheres de diferentes origens, histórias e regiões sobre o tema dentro da ação #AgoraÉQueSãoElas.
Mas a semana não estaria completa sem um texto da doutora em Relações Internacionais, feminista e articuladora da #AgoraÉQueSãoElas, Manoela Miklos.
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Mulheres: A narrativa deste momento de insurgência tem que ser nossa, por Manoela Miklos
Manoela Varella Peixoto tem 11 anos. Um a menos que Valentina.
Manoela nessa semana falou pro mundo sobre machismo. Pros homens. Com a simplicidade da pouca idade. Mas com notório saber. Nós, mulheres, muito cedo somos diplomadas livre-docentes em desigualdade de gênero.
Essa semana, uma Manoela disse:
“Outro dia, saí com algumas amigas e encontramos um dos meninos com quem nunca nos demos bem, pois ele sempre nos tratou mal. Ele quis passear com a gente. Estávamos andando e começamos a conversar e eu fui percebendo que, separado do grupo de meninos com que ele sempre anda, ele era legal.
Esse grupo de que falei sempre desrespeita as meninas, faz piadas com a aparência delas, fica cochichando sobre qual menina tem o corpo mais bonito e desencoraja as meninas, dizendo que elas não conseguem fazer as mesmas coisas que os meninos, como praticar esportes; que meninas só sabem fazer compras e as que não fazem, são quase consideradas meninos.
Por que os meninos fazem isso? Por que eles têm que se mostrar superiores às meninas? Em que eles se espelham para fazer essas coisas desde já?
Para mim, parece que os meninos fazem isso porque se espelham na sociedade que ensina essa ideia para eles, de que os homens são superiores às mulheres. Essa atitude é ruim porque separa os homens das mulheres desde a infância, e acaba fazendo com que algumas meninas acreditem no que eles falam.”
Manoela Gonçalves é fundadora da Casa das Crioulas, uma organização do bairro de Perus, periferia de São Paulo, que oferece apoio a mães solteiras – que ela prefere chamar de mães autônomas – e incentiva o intercâmbio de experiências entre mulheres.
Essa semana, uma Manoela disse:
“Aos 18 anos, engravidei mesmo tomando anticoncepcional. Não sei o que aconteceu, mas estava ali, grávida. Comprei o Cytotec, introduzi quatro comprimidos e tomei mais dois, não fez efeito. Não sabia mais o que fazer. Então, resolvi esconder a barriga. Tomei chás abortivos, coloquei agulha de lã dentro de mim, estava desesperada e sozinha, meu namorado na época, mesmo preocupado, ainda queria transar. Fiquei com nojo dele e segui sozinha. Me envenenei com a tal buchinha do norte, fiquei dois dias no hospital para limpar meu estômago.
Aos quase cinco meses de gestação, quando já havia desistido do aborto, todos os abortivos fizeram efeito de uma vez. Fui ao hospital, cheguei lá, o bebê estava descendo. Foi o suficiente para me largarem em uma maca e chamarem a polícia. Aplicaram a raqui em mim. Não sentia minhas pernas, estava sozinha, todos que estavam ali me insultavam, me viam sentindo dor e diziam que era minha culpa, que merecia tal tratamento. Quando o médico me obrigou a dar meus dados e contatos, passei o número falso e não sei até hoje com que força consegui sair de lá andando, cheia de sangue. Pedi carona no ônibus, cheguei em casa e nunca mais vi o tal namorado.”
Eu sou uma Manoela e, no domingo passado, fiz uma provocação.
Pedi silêncio aos homens. Pedi que se calassem e que escutassem as mulheres. Queria que os espaços de fala garantidos aos homens fossem ocupados. Pelas vozes que estão nas ruas gritando contra o projeto de lei 5069/2013, contra o Estado que está vindo para cima de nós com Cunhas e dentes. E pelas vozes que estão nas redes revelando segredos numa catarse digital contra a cultura do assédio e da violência contra a mulher. E queria mais: queria espaços ocupados pelas vozes que o machismo, combinado perversamente ao racismo e à exclusão, cala, quando não mata.
A narrativa deste momento de insurgência tem que ser nossa. A narrativa da resistência sempre tem que ser nossa.
Numa guerrilha feminina e feminista, saímos eu e um número incontável de mulheres num esforço de ocupar todos os espaços.
Demandando homens emudecidos. Demandando muitos direitos a mais. Demandando nenhum direito a menos.
Cunha e os machistas que assistem Masterchef nunca imaginaram que o resultado seria esse. Juntas, hackeamos as redações, os blogs, as timelines. Tomamos a palavra.
Essa semana, uma Manoela diz:
Ainda é cedo para um balanço dessa semana. Mas uma coisa é certa: balançamos as estruturas. Esse é um novo capítulo de uma longuíssima história. Novas companheiras, como eu e minhas xarás foram pro front, recebidas generosamente por feministas com muita experiência, radicais ou não. Sororidade que transborda. Que transforma. Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista. Conservadorismo, tremei. Essa é a primavera das mulheres.
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Os outros já publicados nesta série são:
Segunda (2) – Juliana de Faria e Luíse Bello, do Think Olga, responsável pela campanha #primeiroassedio;
Terça (3) – Karina Buhr, cantora, compositora, atriz e ativista;
Quarta (4) – Djamila Ribeiro, filósofa e feminista e Laura Capriglione, jornalista e escritora;
Quinta (5) – Maíra Kubik Mano, jornalista, doutora em Ciências Sociais e professora do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA;
Sexta (6) – Camila Agustini, roteirista e advogada especialista em direitos humanos;
Sábado (7) – Tamires Gomes Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e primeira negra a dirigir o Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Mackenzie e Fernanda Sucupira, jornalista, especialista em gênero e igualdade pela Universidad Autónoma de Barcelona e mestra em sociologia pela Unicamp.
Domingo (8) – Lola Aronovich, professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista Escreva Lola Escreva.