Uma análise encomendada pelo Greenpeace denuncia a existência de “problemas graves” no estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, em planejamento pelo governo federal no oeste do Pará.
O material, assinado por cientistas do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Universidade Federal de Pernambuco, conclui que o estudo falha em seu principal objetivo: prever o impacto da obra sobre uma das regiões de floresta mais preservadas do Brasil.
A Eletrobras, que coordena o grupo que bancou o estudo, informou que não iria se manifestar sobre a análise do Greenpeace por não ter tido acesso ao material.
Um dos últimos grandes rios amazônicos sem barragens, o Tapajós é a nova fronteira dos megaprojetos do governo federal de usinas na Amazônia, que incluem ao menos 40 grandes hidrelétricas (com mais de 30 MW de capacidade instalada) em construção ou planejamento na bacia.
Prioridade do Planalto, São Luiz do Tapajós é a maior dessas usinas, com 4.000 MW de potência média prevista (quase o mesmo valor da gigantesca Belo Monte). O projeto está em fase de licenciamento ambiental – a Eletrobras entregou o EIA/Rima ao Ibama (órgão ambiental federal) em agosto de 2014, em busca da primeira autorização para a obra.
Em uma primeira avaliação do EIA/Rima, o Ibama identificou “inconsistências” e pediu complementos ao trabalho.
Em tese, esse estudo deveria ser um retrato preciso da realidade ambiental da região, para prever e propor soluções contra efeitos negativos. Mas os pesquisadores que analisaram o EIA/Rima a pedido do Greenpeace concluem que faltam informações essenciais, indicam lacunas nas amostras coletadas e classificam os programas de compensação propostos como genéricos e insuficientes.
Entre supostas limitações técnicas e metodológicas, os cientistas apontam falta de amostras de campo abaixo do local da obra (região que não será alagada mas deverá sofrer com falta d’água), ausência de dados sobre espécies de ambientes ripários (margens de rios, ilhas e pedrais) e inexistência de projeção sobre o impacto conjunto das usinas previstas para outros pontos do Tapajós.
Erros do passado
A primeira grande análise do EIA/Rima de São Luiz do Tapajós vem a público dois dias depois de a presidente Dilma Rousseff ter reconhecido que houve erros em Belo Monte, a megausina em fase final de construção em outro afluente do Amazonas, o rio Xingu.
“Tem falha? Ah, não tenha dúvida que tem. Mas o fato de ter falhas não significa que a gente vá destruir esse processo. Pelo contrário, temos de reconhecê-las e melhorar”, disse a presidente no domingo, em Nova York, em resposta a uma pergunta da BBC Brasil sobre denúncias de irregularidades em Belo Monte. A usina teve a licença de operação negada na semana passada pelo Ibama.
Para o Greenpeace, o encaminhamento do projeto de São Luiz segue um “roteiro atropelado” e sugere a repetição, no futuro, de consequências observadas em outras grandes usinas na Amazônia, como aumento no desmatamento, invasão de terras indígenas e decadência social.
Em Belo Monte, por exemplo, a ONG observou um cenário de “caos” e cita estudo recente do Instituto Socioambiental (ISA) que enumera compromissos descumpridos e consequências negativas da usina, como aumento de 50% na população de Altamira (PA) entre 2011 e 2014, nenhuma casa ligada ao sistema de esgoto, alta nos homicídios (79%), nos acidentes de trânsito (144%) e na taxa de desnutrição infantil indígena (127% entre 2010 e 2012).
“Infelizmente, desde que essas avaliações tornaram-se obrigatórias no Brasil (em 1986), os EIAs têm servido mais para legitimar projetos já definidos e menos para proteger os recursos naturais do país”, afirma o Greenpeace no relatório que resume os principais pontos da análise.
A ONG cita uma frase do então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, em entrevista à BBC Brasil em novembro passado, para ilustrar o que seria uma decisão política já tomada sobre São Luiz. “Não abriremos mão de construir Tapajós”, disse Carvalho na ocasião.
Em 2012, por meio de medida provisória (contestada pela Procuradoria na Justiça), o governo reduziu cerca de 1.500 km² de sete unidades de conservação na Amazônia para possibilitar a construção de hidrelétricas. Desse total, 70% da área fica na Bacia do Tapajós – as cinco principais usinas previstas para a bacia somam 25% da expansão de geração elétrica planejada pelo Planalto até 2020.
Paraíso natural
O material do Greenpeace procura chamar a atenção para as belezas naturais do Tapajós, rio que atravessa o oeste do Pará por 800 km até o rio Amazonas, em Santarém (PA). O rio e seus afluentes formam uma região ainda pouco impactada pelo homem – são menos de um milhão de pessoas em 50 milhões de hectares (ou dois Estados de São Paulo).
A proteção mínima à região é garantida pela existência de dez unidades de conservação e 19 territórios indígenas, dos quais apenas quatro foram homologados. O local previsto para a obra fica colado em uma das maiores áreas protegidas da região, o Parque Nacional da Amazônia.
O governo e as empresas interessadas na obra prometem construí-la como se extrai petróleo em alto mar: sem acesso terrestre, transportando pessoal e funcionários por via aérea e fluvial e depois reflorestando os canteiros. É o conceito de “usina plataforma”, modelo que o Greenpeace considera ser inviável em uma obra de 13 mil trabalhadores, 38 turbinas e barragem de 7 km.
A análise da ONG enumera deficiências no levantamento da fauna e flora da região. No caso dos peixes, por exemplo, o EIA/Rima identifica a espécie de curimatã mais abundante na bacia do Tapajós, que é a Prochilodus nigricans, como P. britskii. Há ainda uso de nomes diferentes para mesmas espécies, o que indicaria problemas na qualidade das informações.
Em relação aos mamíferos, o Greenpeace diz que o EIA faz um bom trabalho de identificação da biodiversidade da região, uma das mais altas da Amazônia, mas presta um desserviço ao “esconder” esses dados no Rima, que é uma síntese do EIA, feita exatamente para conhecimento da população em geral.
Populações locais
Para Philip Fearnside, do Inpa, um dos cientistas que assinam a análise divulgada pelo Greenpeace, uma das principais lacunas do EIA/Rima de São Luiz se refere aos povos da região. Ele diz que o estudo minimiza ou até nega impactos futuros da obra sobre índios e ribeirinhos – estima-se que 12 mil índios mundurucu e 2,5 mil ribeirinhos serão afetados pela usina.
“O estudo diz que a hidrelétrica não reduzirá os peixes do Tapajós, mas isso é muito duvidoso, porque houve grande impacto em outras barragens – em Tucuruí, por exemplo, a usina acabou com a pesca”, diz Fearnside, que estuda há 30 anos os impactos da ação humana na Amazônia.
“Há toda uma estrutura que leva a relatórios enviesados, pagos pelos proponentes da obra e que minimizam impactos”, completou o pesquisador.
Uma primeira versão do EIA/Rima chegou a ser apresentada sem dados sobre os índios da região, incluídos depois como anexo. O Ministério de Minas e Energia chegou a marcar o leilão da usina para dezembro do ano passado, mas recuou após a repercussão negativa da falta do componente indígena.
E o estudo, diz o Greenpeace, exclui os ribeirinhos do grupo de afetados ao não considerá-los “populações tradicionais”.
A ONG critica ainda o fato de o processo de homologação da terra indígena Sayré Muybu, que teria 7% da área inundada pelo reservatório da usina, ter sido suspenso pelo Planalto porque poderia inviabilizar a obra, já que a Constituição proíbe a remoção definitiva de índios.
A ex-presidente da Funai Maria Augusta Assirati, que deixou o cargo em outubro de 2014, chegou a reconhecer depois que foi obrigada a “descumprir” compromisso pró-homologação com os mundurucus “em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento”.
Todo o processo com os índios tem sido conturbado, e em 2013 o Planalto teve que acionar a Força Nacional para viabilizar a entrada, na região prevista para a obra, dos técnicos que elaboraram o EIA/Rima.
O Greenpeace conclui que o empreendimento é inviável devido a “enormes consequências para o meio ambiente e para o povo local”. Defende o investimento em outras fontes de energia, como eólica e solar – diz, por exemplo, que o potencial dos ventos no Brasil equivale a 40 usinas de São Luiz.
Outro lado
Na semana passada, a BBC Brasil procurou a CNEC Worley Parsons, consultoria responsável pelo EIA/Rima, e solicitou um posicionamento sobre a análise do Greenpeace. A reportagem encaminhou por e-mail os principais pontos e críticas do relatório.
A Worley Parsons encaminhou a demanda para a Eletrobras, que coordena o grupo de empresas que financiam os estudos de viabilidade das usinas do Tapajós.
A estatal informou que não iria comentar a análise por não ter tido acesso à integra do material, mas disse que o EIA/Rima utilizou parâmetros definidos e aprovados pelo Ibama.
Afirmou ainda que vem realizando reuniões com o órgão ambiental para “aprofundar 180 itens apontados pelo Ibama” e tornar o estudo “um marco de referência na região, ainda um tanto desconhecida do ponto de vista das pesquisas científicas de fauna e flora”.
A Eletrobras reiterou que, segundo a lei brasileira, cabe ao Ibama “considerar a viabilidade ambiental do empreendimento após análise criteriosa dos documentos produzidos”. “A Eletrobras ficará a disposição do órgão ambiental para produzir qualquer complementação que for solicitada pelo Ibama até o fim do processo de viabilidade”, informou.
O Ibama disse ter encontrado “inconsistências” no EIA/Rima, e que devolveu os estudos para “complementações requeridas”. O órgão informou ainda que “até o momento não foi emitida nenhuma licença em favor do projeto”.
Acesse aqui o relatório científico
Acesse aqui o relatório ilustrado
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Imagem destacada: Índio munduruku às margens do rio Tapajós; para Greenpeace, avaliação de impacto sobre indígenas e ribeirinhos da região é ‘tendenciosa e incompleta’ – Lunae Parracho/Greenpeace
Quem teve oportunidade de estudar/sofrer a essência de 515 anos do projeto mercantilista (hoje batizado de neoliberal) da violenta usurpação de recursos naturais (outrora usufruídos e administrados sabiamente pelos autóctones e locais) objetivando sua transformação em lucro astronômico de poucos (valor recíproco da miséria dos assim burlados, roubados, escravizados e massacrados), compreende a cadeia de usinas que o atual governo implanta na Amazônia como a nítida continuação do mesmo. Governo este ironicamente sob rótula “de esquerda” e camuflada com uma bandeira “nacional” que ostenta orgulhosamente o sinistro eixo da ordem da roubalheira biocida e do progresso racista e destrutivo.
Temos visitado (entre tantas outras áreas da mesma obra-maestro contra a vida) Altamira e Belo Monte anos atrás. E temos alertado na ocasião em nível global sobre os crimes ali acontecendo e os enormes desastres sócias, econômicos e ambientais ainda por virem (https://www.indybay.org/newsitems/2011/01/12/18668925.php e http://de.indymedia.org/2012/05/330153.shtml e http://dissidentvoice.org/2013/11/brazils-true-order-and-progress-story/ e http://www.obrasileirinho.com.br/belo-monte-nao-afetara-terra-indigena-diz-dilma/).
E temos, nesta mesma ocasião, já constatado que a única esperança de poder enfrentar os biocidas globais e insaciáveis coronéis “nacionais” da morte em massa com alguma chance de êxito (no sentido de impedir a destruição de povos e florestas na sua bem-sucedida milenar administração em prol de toda humanidade) seria a Unidade Abrangente de todos os povos indígenas sob jugo de Brasil e/ou outras entidades neo-colonialistas (“países”) com áreas na Amazônia ou não, e Campanhas Educativas em conjunto com aquelas mídias (ainda) não sob controle do mesmo império da destruição de bens comuns em prol do lucro monetário particular de poucos. Unidade Abrangente e ampla Campanha Educativa que até hoje infelizmente não conseguimos.
Para parar esta loucura de sacrificar e matar desenfreadamente o mais precioso que temos aqui na Mãe Terra em prol dum modelo econômico completamente fracassado e se dobrar diante pessoas e “partidos” completamente cegos, incapazes e corruptos que se sustentam no poder pelo desmantelamento total de tudo que merece ser chamada de “educação” devemos esquecer as nossas diferenças étnicas, ideológicas (religiosas), culturais e econômicas e levantar-nós com força, brio e vontade numa grande união colorida e multi-facetada em prol da VIDA.
Rebelião que devemos às nossas crianças de hoje. O mais precioso que temos como Humanidade. E o devemos igualmente às gerações futuras que herdarão tanto as conseqüências dos nossos crimes, da nossa indiferença e/ou dos nossos atos de resistência e do bem em prol da Mãe Terra e de todos e todas que nela acham e sustentam sua Vida e sua Felicidade.
Hoje, diante o projeto letal de (mais) um governo catastrófico para os povos indígenas de transformar a última grande floresta em parque energético da corrupção e dum modelo econômico insustentável precisamos, mais do que nunca: levantar-se novamente e unidos!
Ardaga Widor, redistribuidor cognitivo e comissário de direitos humanos indígenas da IDDO (Indigenous Democracy Defense Organization, https://www.facebook.com/IndigenousDemocracyDefenseOrganization)
Huu-té Dschaam Dscheu, Pycobcatejê
Aqui no DF, assistimos bem de perto o Aniquilamento do Cerrado, nascedouro das águas que alimentam inúmeras bacias hidrográficas. Deixem O Velho Tapajós em Paz. Os índios não resistiram a mais uma agressão ao seu território.USINAS NO TAPAJÓS, NÃO, NÃO, NÃO…..