Elaine Tavares, Palavras Insurgentes
De fato, por aqui, pelo menos por agora, não vivemos uma guerra de verdade, com bombas explodindo casas e gente matando gente sem qualquer razão plausível. Mas, é certo que nesse nosso mundo estranho, das grandes cidades, temos muitos espaços em que a violência institucional é pão comido, realidade cotidiana, tão cruel quanto a realidade de uma guerra. As balas estouram nas casas e as pessoas morrem como moscas. E, a dita sociedade, de modo geral, vai se acostumando a essas cenas, como se elas se naturalizassem. Assim, de repente, uma chacina num bairro qualquer da grande São Paulo passa a ser só uma notícia na TV. Negros e pobres, “potencialmente marginais”, nada de mais.
Então alguém mata um leão e o mundo se comove. Porque, afinal, parece tão selvagem que exista quem cace bichos só por prazer. Aí se produzem campanhas e vertem-se lágrimas. Mas, em alguns dias, tudo passa e já uma outra sensação assoma no mundo do espetáculo. A vida e sua capacidade de rearticulação.
Na África, fanáticos sequestram meninas e as convertem em escravas sexuais. Na Turquia, estupram e torturam mulheres para que elas aprendam a não se insurgir contra o terror. Na Palestina, soldados armados sequestram e machucam crianças. E tudo vai passando na tela, como um filme B, incompreensível e avassalador. É como se fosse calejando a dor e ela já não mais doesse.
Nos países cobiçados pelos Estados Unidos, guerras vão sendo semeadas, grupos de fanáticos são incentivados e armados. E eles decepam cabeças, afogam pessoas, queimam-nas vivas, usam todos os requintes de crueldade para matar. Mas, tudo bem, são apenas os “loucos” dos árabes. Até que um europeu ou um americano morre e então, venha nova comoção mundial, que também passa em alguns dias.
Agora, a TV nos empurra goela abaixo as dolorosas cenas das famílias em fuga, querendo entrar na Europa, escapando do terror do oriente. Milhares morrendo afogados, sem que ninguém os queira ajudar. Milhares buscando uma chance de manter vivos os filhos, sendo empurrados de volta para a morte. Não pode entrar. Erguem-se muros e cercas. A Europa branquinha não quer confusão. Pode causar confusão, mas não a quer nos seus quintais.
E então aquela cena, vista até a exaustão, de um menininho morto, na beira do mar, perdido para sempre da chance de seguir em frente. Um a mais, dos tantos milhares que vão ficando pelo caminho na fuga desnorteada. Ah, que mundo opaco, sem maravilhas…
Não, não dá para dormir. Não dá para seguir como se nada fosse. Somos responsáveis também, de alguma forma. E o que fazer? Como proteger os meninos das favelas brasileiras, as mulheres da Nigéria, as curdas, os haitianos, os sírios, as afegãs, iraquianas, os indígenas brasileiros e equatorianos? Como parar o terror? Como impedir que mais meninos cheguem mortos à praia? Não sei!
Seguimos por aí, travando a luta por um mundo justo, de riquezas repartidas, mas parece tão pouco, e, às vezes, tão inútil. E fica essa dor profunda, martelando, esse medo infinito de ver a humanidade perdida de si mesma. Quantos muros ainda ergueremos? Quando aprenderemos a amar, de verdade, sem medidas? Quando entenderemos que a vida é um presente e todos têm o direito de desfrutar do jardim? Quando destruiremos esse sistema perverso no qual para que um viva outro tenha de morrer? Quando quebraremos as correntes e viveremos em paz?
Não há respostas e essa é uma crônica louca, um grito de dor. Porque não dá para ser diferente! Não tem pé, não tem cabeça, só tem coração.