Quase todos os antigos mineiros da Morro Velho contraíram silicose na função e muitos ainda tentam indenização
Ana Paula Pedrosa e Queila Ariadne, O Tempo
Em 1968 o mineiro Dionísio Custódio, 70, fez pela primeira vez o caminho que percorreria pelos próximos 25 anos: entrou na mina da Morro Velho (hoje AngloGold Ashanti), em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, caminhou até o primeiro dos cinco elevadores, conhecidos na época como “gaiolas”, e desceu a uma profundidade de mais de 2.000 metros, onde exerceria diversas funções na mineração de ouro. Quando cruzou o portão pela última vez, em 1993, levou junto com a aposentadoria um diagnóstico de silicose – doença respiratória incurável causada pela inalação do pó de sílica e considerada a mais antiga enfermidade do trabalho reconhecida – e uma briga judicial para ser indenizado.
Doenças do trabalho, como a silicose, são a principal causa de mortes entre os trabalhadores, superando, em muito, os acidentes. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as enfermidades representam 84,4% das mortes no exercício da profissão, com 1,95 milhão de vítimas por ano, em todo o mundo.
No caso de Custódio, a enfermidade consta no atestado médico demissional emitido pela própria empresa. Ele conta que nas duas décadas e meia que passou trabalhando na mina subterrânea, nunca teve proteção contra o pó de sílica. “A gente não tinha nem uniforme, cada um ia com a camisa que quisesse. Também não tinha botina, luvas, nada. Passou um tempo, começamos a usar capacete, mas cada um tinha que pagar o seu”, lembra.
Lá embaixo, a poeira era tanta que era difícil enxergar o companheiro ao lado. Quando queria falar com algum funcionário, o encarregado da mina balançava uma lanterna: sinal de que era hora de parar o trabalho até a poeira baixar e ser possível encontrar a pessoa procurada. Mesmo assim, não havia nenhum equipamento para proteger a respiração. “Sabe qual a proteção contra poeira? Comprava uma flanela, molhava e punha no rosto”, conta ele. A silicose de Custódio foi diagnosticada em 1982, mas ele continuou trabalhando por 11 anos dentro da mina. “Por precisão”, diz.
Contemporâneos de mina e colegas que vieram depois na mesma atividade também foram expostos ao pó de sílica e adquiriram a doença. Vicente do Carmo, 78, Laércio Quirino de Almeida, 65, e Anésio de Sousa e Silva, 74, também trabalharam na mina por longos períodos entre as décadas de 1950 e 1980. Como Dionísio, todos foram periciados pelo INSS. O órgão constatou a doença e concedeu um acréscimo de 40% sobre o valor da aposentadoria a título de auxílio-doença. Mas eles não conseguem comprovar na Justiça os danos à saúde. “Além do INSS, todos os exames particulares mostram a doença, mas a perícia judicial, não”, reclama Anésio Silva.
—
Imagem: Nova Lima. Laércio, Dionísio, Anésio e Vicente em frente à antiga mina onde trabalharam, adoeceram e aposentaram-se (Foto: Lincon Zarbietti)
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ricardo Álvares e José Carlos.