Talita Rodrigues, EPSJV
A formação pioneira de Técnicos em Agentes Comunitários Indígenas de Saúde (TACIS) no Amazonas, contextualizando a realidade indígena com a formação técnica e a ampliação da escolaridade dos agentes, realizada pela Fiocruz, foi concluída neste mês com a formação de 140 TACIS.
O Curso Técnico de Agente Comunitário Indígena de Saúde: Ensino Médio Indígena Integrado à Educação Profissional Técnica de Nível Médio foi elaborado e promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e o Instituto de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (IPqLMD)/Fiocruz Amazônia, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira (AM), a Secretaria Estadual de Educação do Amazonas e a Federação das Organizações Indígenas do Rio de Janeiro (FOIRN).
“Tivemos muitas dificuldades ao longo desses seis anos de formação, inclusive a falta de apoio dos gestores locais que não entendiam a importância de reorganizar e fortalecer o trabalho dos agentes nas comunidades porque são eles que estão no dia-a-dia das comunidades. Estou muito feliz e orgulhosa de ter terminado o curso”, afirma Ana Lúcia Pontes, da EPSJV, que fazia parte da equipe de coordenação do projeto, formada também por Luiza Garnelo e Sully Sampaio, da Fiocruz Amazonas. A Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira e a Secretaria Estadual de Educação do Amazonas forma responsáveis pela oferta de Ensino Fundamental e Médio aos alunos, com o objetivo de elevar o grau de escolaridade dos TACIS.
Todos os profissionais formados já trabalhavam como Agentes Comunitários Indígenas de Saúde (ACIS) do Distrito Sanitários Especial do Alto Rio negro, onde vivem cerca de cinco mil índios e que abrange três municípios do Amazonas – São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos. A maior parte já trabalhava como agente há muito anos, mas nunca tinha recebido nenhuma formação ou tinha feito apenas cursos pontuais.
O curso teve como foco o conceito ampliado de saúde e as aulas utilizavam estratégias pedagógicas adaptadas à realidade local, procurando valorizar e sistematizar os conhecimentos que as populações indígenas já possuem, além de resgatar suas tradições. O curso estava estruturado em cinco eixos – Cultura, Território, Cuidado, Política e Informação, Comunicação e Planejamento em Saúde. “A cultura e a tradição dos índios foi transversal a todos os eixos do curso. Discutimos as definições do perfil do agente com um papel de educador em saúde e baseamos esse perfil no referencial curricular dos ACS, articulando a formação técnica indígena com o perfil do agente comunitário de saúde”, explica Ana Lúcia, acrescentando que, antes do curso, o trabalho dos agentes indígenas era basicamente de assistência e remoção dos doentes, com ações curativas, mas não trabalhavam com a prevenção. “Nossa formação teve como base a Atenção Primária e a Educação em Saúde. Com o curso, acho que construímos uma boa base para estruturar o trabalho do agente. Terminamos a formação com uma discussão política do papel do agente para que eles lutem para que sejam reconhecidos como uma categoria profissional”.
Curso
O curso teve início em 2009 e foi divido em três etapas formativas, com um total de 3.240 horas de aulas, incluindo a elevação da escolaridade, as aulas teóricas e a prática profissional, que era realizada nas comunidades durante o intervalo entre as etapas de formação. “Uma das questões que eles trabalharam muito na prática profissional foi a alimentação, que é muito central para eles. Eles estão com problemas de obesidade e desnutrição por causa do aumento do consumo de comida industrializada. E estão tentando voltar a valorizar a comida deles”, diz Ana Lúcia. Na prática profissional, os alunos tinham como atividades realizar o diagnóstico do seu território, analisar as condições de saúde, identificar situações de risco e planejar e executar um plano de ação em saúde no território. Os alunos do curso eram divididos em cinco turmas, que tinham aulas em cinco polos formativos – Rio Negro acima, Baixo Rio Içana e Xié (Polo I); Alto Waupés, Iauaretê, e Rio Papuri (Polo II); Baixo Rio Waupés e Rio Tiquié (Polo III); Médio e Alto Rio Içana, Aiari e Cuiari (Polo IV); Rio Negro abaixo, Curicuriari e Santa Isabel (Polo V).
O curso era realizado nas modalidades presencial e semipresencial, quando era desenvolvida a prática profissional em suas comunidades. A primeira e a segunda etapa foram divididas em dois momentos de concentração. Por questões logísticas, a terceira e última etapa foram realizadas em São Gabriel da Cachoeira com as cinco turmas. “Foi um esforço pessoal de cada um deles e também de suas famílias, que os apoiaram muito em sua formação”, destaca Ana Lúcia, lembrando que a realização do curso partiu de uma demanda das comunidades indígenas, juntamente com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Negro e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). “O movimento indígena já conseguiu muitos avanços na educação, mas na Saúde ainda tem muito a conquistar porque a maioria dos trabalhadores é branca e acha que o índio não é capaz de exercer aquelas funções. Eles pegam um calendário, por exemplo, e têm dificuldade de calcular a idade de uma criança, mas não é porque eles não são capazes, é porque para os índios o nosso calendário não faz nenhum sentido, não é assim que eles contam o tempo. Mas se a gente ensinar, eles aprendem, entendem e conseguem fazer o cálculo”, conta.
No início do curso, cada agente recebeu uma carta (meio comum de comunicação entre eles) para que fosse lida em suas comunidades, explicando por que iriam participar da formação e o que isso traria de benefícios para suas comunidades. Agora, com o término das aulas, cada profissional formado recebeu uma nova carta para informar a suas comunidades a conclusão do curso e que podem esperar deles agora.
Formatura
A Formatura dos TACIS foi realizada nos dias 10 e 11 de abril em São Gabriel da Cachoeira. No primeiro dia, o evento foi realizado na Maloca da FOIRN e contou com a participação da Direção das unidades da Fiocruz envolvidas na formação e de autoridades locais. Na ocasião, também foram homenageadas diversas pessoas importantes para a realização do curso, além de apresentações culturais dos indígenas. No segundo dia, o evento contou com a participação dos familiares dos indígenas e foi realizado em um ginásio municipal. Neste dia, aconteceu a entrega dos certificados, seguida de uma festa de formatura, com comidas e danças da cultura indígena.
Desdobramentos
Com o curso concluído, a equipe de coordenação do curso agora vai sistematizar essa experiência piloto de formação para que sirva de base para outras formações. Todo o curso foi acompanhado por uma equipe de antropólogos, que fez a etnografia das aulas. “Vamos sistematizar todos os documentos e relatar nossos desafios para divulgar, debater, publicar artigos, livros. Achamos importante que essa formação tenha continuidade e temos uma experiência para compartilhar”, diz Ana Lúcia.
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Imagem reproduzida do site da EPSJV.