A histórica cidade de São Félix do Araguaia (MT) recebeu entre os dias 21 e 23 de abril a primeira etapa do plano de formação de agentes da Campanha da Comissão Pastoral de Terra (CPT) de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo de 2015
Assessorado por Ruben Siqueira, membro da CPT Bahia e da coordenação executiva nacional da CPT, o encontro reuniu agentes pastorais de oito estados atuantes na Campanha – BA, MA, MG, MT, PA, PI, RO e TO e integrantes do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, de Açailândia (MA).
Um dos objetivos do encontro foi avaliar os desafios, dificuldades e avanços da Campanha, e socializar as experiências de cada equipe no coletivo. Os dois primeiros dias se basearam na formação desses agentes.
Outro objetivo do encontro foi discutir e rememorar o que é a CPT, abordando sua missão, espiritualidade e a relação com a teologia da libertação. “Sou imensamente grato à Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo por fazer um primeiro encontro nacional da CPT aqui e me convidar para assessorá-lo”, afirma Ruben – leia o depoimento completo de Ruben ao fim deste texto.
Naturalmente, a história da CPT também foi trabalhada com especial atenção, principalmente pelo local onde o encontro foi realizado. O município de São Félix do Araguaia e região são símbolos da resistência dos camponeses e dos povos indígenas diante da exploração do latifúndio.
É em São Félix onde ainda reside Dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da CPT e a primeira figura a fazer uma denúncia pública referente à existência de trabalho escravo no Brasil. Desde que chegou ao Brasil, vindo da Espanha, no final da década de 1960, Casaldáliga sempre dedicou sua vida à convivência e defesa dos oprimidos, em especial das famílias camponesas.
Estar em uma terra recheada de história e mística reanima e inspira a caminhada dos agentes da Campanha, que tomam como exemplo Dom Pedro Casaldáliga na entrega a uma missão de partilha e acolhimento do povo camponês.
O grupo realizou uma mística no Cemitério dos Peões, em São Félix. Cemitério esse onde foram enterrados os peões mortos nos anos 1970 e 1980. Hoje está praticamente abandonado, o que é um descaso com a memória dos mártires anônimos e esquecidos pela sociedade na beira do Araguaia. O grupo da CPT enviou um ofício para a prefeitura solicitando a manutenção desse espaço histórico para as famílias de São Félix do Araguaia.
Abaixo, leia o depoimento de Ruben Siqueira sobre a experiência de estar em São Félix do Araguaia e seu reencontro com Pedro Casaldáliga.
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Em São Félix do Pedro do Araguaia
Foi a realização de um sonho estar pela primeira vez em São Félix do Araguaia, depois de tantos anos na CPT (34). Rever Pedro Casaldáliga, respirar o ar de tanta caminhada, de peões, indígenas, camponeses e agentes de pastoral de uma pequena e imensa igreja de Cristo, luminosa, provado no martírio sua fidelidade a Jesus do Evangelho, como poucas a concretizar a Boa-Notícia aos pobres e oprimidos. Sou imensamente grato à Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo por fazer um primeiro encontro nacional da CPT aqui e me convidar para assessorá-lo, com o tema “CPT – missão, história, espiritualidade e Teologia da Libertação”. Não poderia ter lugar melhor!
Sento-me renovado na fé e na Caminhada, pela visita ao Santuário dos Mártires em Ribeirão Cascalheira sob chuva grossa; pela reza matinal no Cemitério (abandonado) dos Peões, a cheia do Araguaia quase o invadindo; pelo filme sobre Pedro “Descalço sobre a terra vermelha” e pelo emocionado reencontro com ele depois de tanto tempo, na partilha da oração, da mesa e da conversa com ele, os padres Félix, Ivo e Saraiva e a companheira Zezé dos tempos do Nacional em Goiânia. Um bálsamo depois de tanta devastação operada pelas monoculturas do agronegócio vista ao longo das estradas desde Cuiabá.
A casa de Pedro é um santuário, sem muro, porta sempre aberta, as paredes sem reboco cobertas de símbolos e imagens a lembrar histórias, companheiros – tantos mártires – e lutas que marcam e animam a Caminhada, seu quarto humilde, uma fina cortina por porta. A capelinha no quintal, próxima à mata, aberta quase sem paredes, é um convite à oração e à fraternidade eucarística, cósmica. Guarda relíquias preciosas martiriais que Pedro faz questão de mostrar: pedacinhos da roupa de Oscar Romero e do crânio de Ellacuría.
Sentado na varanda, após a reza, ainda mais frágil pelo mal de Parkinson, agora seu “companheiro mais próximo”, Pedro observa e interage com o povo da Prelazia, a sua gente de sempre. Nos 20 minutos de conversa que tivemos, sua dificuldade na fala não impediu que eu sorvesse de sua sabedoria santa. Contou de seu alívio e contentamento com a eleição de dom Sérgio Rocha para a presidência da CNBB, mostrou-se preocupado com a conjuntura do país, perguntou pelos movimentos sociais (a Via Campesina em especial) e pela CPT, que “não está acima dos outros” e deve seguir firme… Disse-me que “a vida é cada dia”, lição de seu martírio cotidiano, muito mais terrível do que se fosse matado, como passou a desejar depois de tantos que viu matados, alguns em seu lugar, todos pela Causa do Reino.
“Saber esperar, sabendo / que o tempo já não existe” diz um de seus poemas. Tempo de correr contra o tempo e adiantar a Caminhada. Vou de São Félix levando nos braços marcas Karajá para prolongar a lembrança destes dias. Nas mãos o frescor das mãos diáfanas de Pedro. No coração sua imagem vitoriosa. “Awiri soré”, dizem os Karajá, “tudo bem demais”!
Ruben Siqueira – CPT Bahia / Nacional
SFA, 24.04.15