Rio On Watch
Sentado entre os destroços da demolição da casa de seu vizinho no domingo, 5 de abril, Tadilmarco Peixopo, o último morador da Avenida Autódromo, descreveu o entorno de escombros e terrenos vazios como uma cena de guerra: “É como se você estivesse vivendo aqui e uma bomba houvesse caído sobre a casa ao lado e matado todos, deixando você sozinho. É como o fim do mundo onde todos morreram”. Apenas onze dias depois, na última quinta-feira, 16 de abril, Tadilmarco recebeu a notificação de um advogado que a Prefeitura iria demolir sua casa, e a casa de um outro morador, “imediatamente”.
Há 21 anos, Tadilmarco se mudou para “o melhor lugar para se viver no Brasil, que foi chamado de Avenida Autódromo”. Originalmente uma comunidade de pescadores instalada na década de 1960, a Vila Autódromo, na Zona Oeste do Rio, evoluiu para até 3.000 habitantes. Esse número agora se mantém em cerca de 50 famílias. Por 20 anos, a Vila Autódromo enfrentou ameaças de remoção e lutou duramente até receber a concessão de uso da terra por 99 anos pelo Governo do Estado; entretanto, em 2009, a decisão de que o Rio iria sediar os Jogos Olímpicos de 2016 colocou ainda mais em risco esta pequena comunidade, devido à sua localização próxima ao planejado Parque Olímpico.
A incansável resistência da comunidade conseguiu com que alguns moradores negociassem indenizações por valores próximos ao do mercado -embora disputadas, estas foram as primeiras indenizações a preço de mercado na história das favelas- em troca de deixarem suas casas. Mas a situação que já estava tensa aumentou ainda mais, em 19 de março deste ano, quando o Prefeito Eduardo Paes recorreu a desapropriação por utilidade pública, para anunciar a remoção e demolição das 58 casas restantes, deixando sem esperanças aqueles que resistiram mais veemente, baseados na promessa do Prefeito que aqueles que quisessem permaneceriam e receberiam melhorias na infraestrutura.
Esta última jogada, que Tadilmarco descreve como um “ato covarde”, parece definir o destino de Vila Autódromo: “ Eu não acredito que as pessoas serão capazes de continuar vivendo aqui. [Paes] não tem interesse em deixar ninguém morando aqui. Então, a Vila Autódromo está terminada, infelizmente. É uma realidade que eu, que moro aqui, tenho que aceitar amargamente em meu coração. É muito difícil admitir”.
O mais decepcionante é que a política de declarar a desapropriação para justificar a retirada de propriedades privadas por utilidade pública está em desacordo com as promessas anteriores feitas pelo Prefeito e pelo Comitê Olímpico.
Por anos, a comunidade recebeu promessas contraditórias por parte do governo. Em 1994, foram concedidos títulos de posse por 99 anos aos moradores pelo Estado.; em 2009 o projeto original para o Parque Olímpico deixava a Vila Autódromo intacta; e em 2013 o Prefeito prometeu que nenhum morador seria forçado a sair.
Tadilmarco relembra: “O prefeito disse, não apenas em uma reunião mas em várias outras com a comunidade e com o Presidente da Associação de Moradores, que aqueles que quisessem ficar aqui poderiam fazê-lo e que ele melhoraria a infraestrutura. Além disso, aqueles que tivessem que sair das suas casas poderiam ser realocados dentro da própria comunidade”.
“Aquilo foi só uma mentira… Como um bom político, está acostumado a mentir, é treinado para mentir, então ele veio com a desapropriação.”
Antes deste anúncio da “desapropriação via decreto”, Tadilmarco tinha dúvidas se esta política de indenizações era tão justa e respeitável quanto era anunciada. “Se minha casa não está à venda, então ela não tem um preço. Ela não pode ser mensurada pelo mercado. Se eu não quero vender algo que é meu, então isto não tem um preço”.
A Prefeitura apresentou propostas para a casa de Tadilmarco, mas ainda não fizeram uma que ele considere justa. “Eu não aceitei e não vou aceitar até que seja um preço justo. Eu vou ficar até as últimas consequências. Eu espero que alcance um preço justo para mim e minha família”.
Ele acredita que uma indenização a preço de mercado justa é aquela em que ele possa “pegar o dinheiro e comprar outra propriedade na Barra da Tijuca, como agora eles estão chamando esta área, que seja em frente à lagoa, com tanto espaço quanto aqui, com a segurança e tranquilidade desta área”. E isto, ele diz não conseguir obter com o preço que está sendo oferecido.
“Não foi um bom preço –foi um preço ruim. A Prefeitura não paga bem; só cala a boca das pessoas”.
Ele explica que a maioria das famílias aceitou a oferta da Prefeitura mais por medo que pelo dinheiro.
Tadilmarco é atingido de uma maneira especialmente forte pelo assunto porque, ele conta, que não é a primeira vez que teve alguma coisa tomada pela Prefeitura e, especificamente, por Eduardo Paes que desde o período em que foi Subprefeito da Barra da Tijuca, tem uma longa história com a comunidade.
“O prefeito, Eduardo Paes, tirou o meu emprego quatro vezes. Ele acabou com o primeiro trabalho que eu tive, um estabelecimento que estava com a documentação toda legalizada. Ele chegou lá com guardas municipais, dois caminhões e destruiu tudo. Minha família passou necessidade e chegamos a passar fome, pois eu não conseguia trabalho em nenhum lugar. Um tempo depois consegui montar outra oficina, para Eduardo Paes ir até lá e acabar com tudo outra vez. Então comecei a competir nas pistas de corrida. César Maia e Eduardo Paes fecharam as pistas e eu fiquei sem trabalho mais uma vez”.
“Eu tenho um táxi e ganhava a vida como motorista, trabalhava dirigindo 18 horas por dia. Cheguei a ser sequestrado na Rocinha por 16 bandidos. Eu não pude ver meu filho crescer porque saia de casa às 6 da manhã e só voltava as 4 da manhã do dia seguinte. Como o carro era muito velho eu tinha que trabalhar muitas horas para conseguir o dinheiro pagar o aluguel. Daí eu voltei para a corrida e pela quarta vez ele me deixou sem trabalho. Dessa vez é a minha casa que ele quer tomar”.
Desde que escutou de um advogado na quinta-feira que sua casa poderia ser confiscada iminentemente, Tadilmarco está procurando, urgentemente, algum lugar para se mudar com a família. Ele relatou que a demolição da casa de seu vizinho também danificou a sua e que agora ele se sente inseguro em seu próprio lar.