Na tarde desta quarta-feira (15), 25 representantes da Mobilização Nacional Indígena e 5 da Frente Nacional de Lutas (FNL) entregaram ao presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a carta política do 11º Acampamento Terra Livre (ATL). No documento está a posição dos povos indígenas contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, em tramitação numa Comissão Especial da Câmara.
Cunha se comprometeu com os indígenas a não usar a prerrogativa presidencial de levar a proposta para votação no plenário e disse que não há pressa para votá-la. O peemedebista afirmou que a instalação da Comissão Especial faz parte do rito de cada nova legislatura, e que isso não significa que seja a favor ou contra a PEC 215.
Todavia, não mencionou que, dois dias antes de instalar a comissão, filiou-se à Frente Parlamentar da Agropecuária. Por conta disso, a posição de Cunha não inspirou confiança entre os indígenas. “Já se passaram quase 30 anos da promulgação da Constituição. Na época determinaram que em cinco anos todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas. Esse prazo não foi respeitado e nem a Constituição está sendo. A própria casa que a criou quer desfazê-la. É uma vergonha”, afirmou o cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe.
Analisando o passado da colonização, quando a coroa portuguesa criou leis para caçar seu povo, cacique Babau Tupinambá frisou que a atual conjuntura envolvendo os quase 100 projetos de lei ou PECs contra os povos indígenas no Congresso Nacional remontam essa mesma intenção genocida. “Porque o território é a base da vida dos povos indígenas”, disse. Para Babau, os ruralistas defendem que os indígenas não produzem. “Fomos sempre agricultores. Essa terra sempre foi rica porque plantamos nela, mas não desse jeito depredador do agronegócio”.
A PEC 215 completa este ano 15 anos de existência na Câmara. Nunca foi bem vista pelos indígenas, que sempre a rechaçaram. “Nós não queremos que a demarcação deixe de ser um processo administrativo para virar um processo político. Isso interessa aos ruralistas, financiados pelo agronegócio”, atacou Marcos Xukuru. Ao que Roberto Tupiniquim completou: “A Constituição não está sendo desrespeitada por nós, mas pelos ruralistas, pelos brancos. Nunca desrespeitamos as leis dos brancos, mas o branco desrespeita as próprias leis que criam. Os conhecedores das leis as desrespeitam”.
De forma emocionada, Rosane Kaingang relatou a vida de indígenas sob lonas, às margens de rodovias, sofrendo assassinatos, vendo a morte de crianças e estupros. “O senhor (Eduardo Cunha) é evangélico. Nossos povos têm religião forte. Então sabemos da missão de Deus para nós: cuidar um dos outros. Para o caixão o senhor não vai levar seus carros, apartamentos e dinheiro. Faça o certo. O Brasil precisa ser bom para todos e todas”, encerrou.
Unidade na luta
Integrantes da Frente Nacional de Lutas (FNL) estiveram ao lado dos indígenas na reunião. Acrescentaram apenas duas demandas: a regulamentação da Lei do Trabalho Escravo que permite a desapropriação de terras para fins de reforma agrária em caso de propriedades flagradas mantendo trabalhadores em situação análoga à escravidão e contra Projeto de Lei que não permite a desapropriação em caso de terras improdutivas.
A aliança entre sem terras e povos indígenas possui um ponto em comum. “Está tudo vinculado à terra. Lutamos pela demarcação das terras indígenas e quilombolas e lutamos para que as terras improdutivas venham para a reforma agrária. Só será possível isso com a unidade dos movimentos, com esse entendimento, de unidade na luta”, disse José Rainha, liderança da FNL.
“O Congresso Nacional sempre foi conservador, porque é da elite. O governo do PT se vendeu para o projeto da burguesia. Não podemos esperar nada desses lugares. Para se fazer mudança estrutural, só com o povo na rua”, analisa o líder camponês. “Esse país não mudou nada. É a casa grande contra a senzala. Nossos inimigos são comuns, donos das terras, da mídia, de tudo”, concluiu Rainha.
Parlamentares visitam acampamento
Logo após a audiência no Congresso, sete parlamentares da Frente de Apoio aos Povos Indígenas, lançada no mês passado, visitaram o Acampamento Terra Livre e manifestaram seu apoio à Mobilização Nacional, posicionando-se contra a PEC 215, a paralisação das demarcações pelo Executivo e as recentes decisões anti-indígenas do STF. A ex-senadora e ex-candidata à presidência da República, Marina Silva, também esteve presente.
O deputado Ságuas Moreira (PT/MT), presidente da Frente, criticou a proposta não só porque transfere a prerrogativa de demarcar terras indígenas do Executivo para o Legislativo, mas também por ser inconstitucional. “A questão da PEC é a garantia do direito à terra, é a garantia de demarcação e ampliação de terras indígenas, é a garantia da vida dos povos indígenas. Não há vida paras povos indígenas se suas terras não forem garantidas. Se passar por aqui, ela deverá ser vetada ou embargada pelo STF, mas não podemos confiar nisso”, alertou.
O único senador presente, João Capiberibe (PSB/AP), destacou a importância da articulação dentro do Congresso para que, durante a Mobilização Nacional Indígena, os povos fossem recebidos em uma sessão solene pelo poder Legislativo; a sessão acontecerá nesta quinta-feira (16), às 15h. “Amanhã vai ser uma satisfação muito grande tê-los lá. Eu acho um absurdo a presidente Dilma estar sentada em cima de 20 processos de homologação de terras indígenas. Só falta assinar”, destacou o senador. Janete Capiberibe (PSB/AP), deputada federal, complementou: “Vocês conquistaram o direito de entrar pela porta da frente”.
Érica Kokay (PT/DF) reiterou a importância do Acampamento e da abertura do Congresso, nessa quinta, aos indígenas: “Tomem este gramado, tomem os corredores do Congresso e o Plenário Ulysses Guimarães com a Constituição no peito. Não podemos permitir que a bancada do boi domine o progresso”. Nilto Tatto (PT/SP) lembrou que os ataques se estendem a quilombolas e populações tradicionais: “Só vamos conseguir segurar projetos como a PEC 215 se vocês estiverem permanentemente vigiando Brasília”.
Edimilson Rodrigues (PSOL/PA) foi enfático: “Se a PEC 215 for aprovada, terão que passar por cima dos cadáveres do nosso povo”. Padre João (PT/MG) lembrou que uma minoria no Judiciário, encabeçada pelo Ministro Gilmar Mendes, também tem posto entraves aos avanços na demarcação de terras.
Em seu discurso, Marina Silva lembrou o direito dos indígenas à diferença: “Alguns brasileiros podem ser brasileiros apenas no quadradinho de um apartamento de um arranha-céu. Mas uma coisa é certa: só dá pra ser índio se tiver uma terra do tamanho do direito que é ter a sua autonomia, ter a sua espiritualidade, ter vida respeitada na sua forma de viver, ser e estar no mundo”.
Representando a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Paulo Pimenta (PT/RS), também membro da Frente, assumiu o compromisso de visitar os cinco cantos do Brasil para acompanhar de perto as situações de conflito denunciadas pelos indígenas. Também esteve presente a deputada Elisiane Gama (PPS/MA).
–
Destaque: Indígenas manifestaram repúdio à PEC 215 durante encontro com Eduardo Cunha. Fábio Nascimento / MNI