“A terceirização é, um facilitador da fraude trabalhista e contribui não apenas para o desmonte da CLT, mas também para a desefetivação da própria Justiça do Trabalho”, adverte o sociólogo
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
“Quem diria, hein! Há algumas décadas, a esquerda criticava a CLT como uma peça autocrática-fascista oriunda do governo Vargas. Hoje, tornou-se um bote salva-vidas de direitos trabalhistas em extinção. Eis o sintoma da barbárie salarial que caracteriza o capital em sua fase de crise estrutural: o rebaixamento civilizatório”. O comentário é de Giovanni Alves àIHU On-Line, ao analisar as causas que levaram à aprovação do PL 4330 e as possíveis consequências caso a lei da terceirização seja aprovada.
Giovanni Alves lembra que desde 1990, a partir dos governos Collor e FHC, “ocorre um processo lento e progressivo de desmonte da CLT”, e a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados “dá apenas o ‘tiro de misericórdia’ no modelo ‘rígido’ de regulação do trabalho no Brasil, adequando-o às novas condições históricas de acumulação flexível do mercado mundial”. Ele explica ainda que a terceirização e a resistência do empresariado em ampliar direitos trabalhistas e reduzir jornada de trabalho, “fazem parte de um fenômeno mundial próprio da temporalidade histórica do capital em sua fase de crise estrutural — com nuances locais”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o sociólogo também comenta as MPs 664 e 665, editadas pelo Congresso no final do ano passado. Segundo ele, as MPs devem ser entendidas como “medidas corretivas de direitos trabalhistas”, e fazem parte dos ajustes fiscais anunciados pelo Ministério da Fazenda. “Elas não extinguem direitos, mas restringem e dificultam seu acesso. Num cenário de desemprego crescente, restringir e dificultar a acesso a direitos é perverso. Minha crítica é que medidas que atingem direitos previdenciários e trabalhistas deviam ser negociadas com as centrais sindicais, mas não foram”, pontua.
Giovanni Alves é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica, é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. É autor de, entre outras obras, Dimensões da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho (Bauru: Projeto Editorial Praxis, 2013). Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que a aprovação do PL 4330 sinaliza acerca do trabalho no Brasil? Para que modelo de trabalho estamos nos dirigindo não só com a aprovação do PL, mas considerando também os baixos salários, a não redução das jornadas?
Giovanni Alves – Desde 1990, a partir dos governos Collor e FHC, ocorre um processo lento e progressivo de desmonte da CLT. O PL 4330 dá apenas o “tiro de misericórdia” no modelo “rígido” de regulação do trabalho no Brasil, adequando-o às novas condições históricas de acumulação flexível do mercado mundial.
Na verdade, nosso mercado de trabalho sempre teve uma flexibilidade estrutural, pelo menos desde 1964, quando os militares instauraram o FGTS em troca da estabilidade no emprego. Na década de 1990, a terceirização e a flexibilização laboral disseminaram-se, atingindo hoje cerca de 30% do mercado de trabalho formal. Alta rotatividade laboral, baixos salários e informalidade estrutural compõem hoje o quadro do mundo do trabalho precário, quadro social que deve se agravar com a aprovação do PL 4330 que regulamenta a terceirização.
Superexploração da força de trabalho
A aprovação do PL 4330 trata tão somente da afirmação do modelo social de superexploração da força de trabalho que caracteriza nossa formação social capitalista. Por isso o falecido sociólogo alemão Ulrich Beck, em 1999, ao constatar o avanço da precariedade laboral na Europa, chamou-a “brasilianização da Europa”.
Antes, a Europa social era exemplo para o Brasil, hoje é o contrário: as relações de trabalho no Brasil tornam-se modelos para o mundo capitalista central, na medida em que o capital desmonta, nesses países centrais, conquistas históricas dos trabalhadores. Enfim, somos a vanguarda da barbárie salarial que caracteriza hoje o novo (e precário) mundo do trabalho no capitalismo global — que nos diga hoje, o crescimento do “precariado” na Europa, Estados Unidos e Japão e os baixos salários e os incipientes salários pagos hoje na Ásia e na Índia.
Enfim, com a vigência plena da terceirização alteram-se as condições materiais — objetivas e subjetivas — da luta de classes no Brasil. O novo cenário de precariedade salarial deve provocar novas estratégias sindicais. Vai exigir que o sindicalismo rompa com práticas burocrático-corporativas e organize mais a classe trabalhadora no plano horizontal.
O capital sempre provoca historicamente o trabalho. Não adianta lamentar com nostalgia, a debacle do fordismo-keynesianismo, como acontece hoje com certos companheiros social-democratas que não percebem que, no modo de produção capitalista, principalmente no capitalismo brasileiro, de extração colonial-escravista, a precarização estrutural do trabalho é um traço histórico ontogenético, e o capital, na era de sua crise estrutural, reduz sua capacidade de preservar e ampliar conquistas civilizatórias.
Capacidade de resposta radical
Enfim, a lei da terceirização vai exigir de nós reflexão crítica e capacidade de resposta radical, forçando os sindicatos a investirem mais na formação política dos quadros sindicais e na perspectiva da formação da consciência de classe sob pena de eles irem à ruína como instituição social relevante; ou educam-se as massas ou viveremos no pior dos mundos possíveis. Não podemos nos iludir — capitalismo global é isso aí. Caso a lei da terceirização seja instaurada, a resposta dos setores trabalhistas e popular na sua luta contra a exploração deve adquirir cada vez mais um caráter político de médio e longo prazo. Deve procurar unificar a classe sob pena de a luta sindical não ter eficácia. Poderíamos dizer a todos nós, brasileiros, caso a terceirização se generalize, as mesmas palavras do personagem Morpheus no filme “Matrix” (1999): bem-vindo ao Inferno do Real (do capital do século XXI).
IHU On-Line – Quais os efeitos da terceirização para o trabalhador? Se aprovada, a lei irá atingir a todos os trabalhadores de modo geral, não somente os que já têm um trabalho mais precarizado?
Giovanni Alves – Os estudos sociológicos e da economia do trabalho demonstram, há mais de vinte anos, que terceirização significa redução de salários — pelo menos em 1/3; extensão da jornada de trabalho semanal (em pelo menos 5 horas); aumento de acidentes do trabalho (com consequente aumento dos gastos previdenciários); corrosão da identidade e representação sindical; degradação dos serviços e qualidade dos produtos; espoliação de direitos historicamente conquistados (13º Salário; férias; etc.); podemos salientar também aumento da corrupção, principalmente no setor público; provável aumento do trabalho análogo à escravidão.
Terceirização possui também um recorte de gênero, pois deve atingir mais as mulheres que os homens, aumentando mais ainda a precariedade laboral entre o gênero feminino. O pior do PL 4330 é que ele retira da empresa tomadora dos serviços a responsabilidade solidária pelo pagamento dos salários, 13º Salário, férias, quando a empresa fornecedora desses trabalhadores deixa de cumprir suas obrigações legais (a responsabilidade da empresa será apenas subsidiária e não mais solidária, fazendo com que o problema seja discutido com base no Código Civil, no âmbito da Justiça Comum, e não mais na Justiça do Trabalho. Trata-se, portanto, de um retrocesso de mais de 70 anos, pois o STF desde 1941 reconhecia que a competência para julgar questões trabalhistas é a Justiça do Trabalho). A terceirização é, portanto, um facilitador da fraude trabalhista e contribui não apenas para o desmonte da CLT, mas também para a desefetivação da própria Justiça do Trabalho.
Todas essas tendências de degradação do trabalho existiam há, pelo menos, 25 anos, pois a terceirização era permitida nas atividades-meios conforme a Súmula 331 do TST. Como o PL 4330 que regulamenta a terceirização permite que ela seja adotada também nas atividades-fins, a barbárie salarial tende a ampliar-se, não apenas no setor privado, mas, inclusive, no setor público, tendo em vista a pressão pela redução dos gastos com folha de pagamento, por conta do orçamento público contingenciado. É necessário hoje que se crie, por exemplo, um Observatório da Terceirização em que possamos verificar onde ela está sendo adotada e denunciarmos condições precárias de trabalho e fraude de direitos trabalhistas.
IHU On-Line – Como entender que pautas importantes dos anos 1980, como redução da jornada de trabalho, direitos trabalhistas, podem sofrer uma total reversão? O que está acontecendo com o mundo do trabalho no Brasil? Quais são as causas e raízes desse fenômeno? Trata-se de um fenômeno mundial também?
Giovanni Alves – É preciso entender a conjuntura do capitalismo global no qual o Brasil se insere. Hoje, nosso país é um dos importantes territórios periféricos de acumulação de valor. Desde o governo Collor nos inserimos efetivamente na mundialização do capital.
O Brasil é hoje uma das áreas privilegiadas de atração de investimentos externos e acumulação do capital no plano mundial.
A pressão empresarial pela terceirização é compreensível pela necessidade do capital social total em aumentar a taxa média de exploração e incrementar a massa de mais-valia social no país, como condição para a retomada do crescimento da economia brasileira.
Fenômeno mundial
O capital só investe na medida em que encontra condições favoráveis para explorar a força de trabalho. Num cenário de aumento da concorrência internacional, crise estrutural de valorização do capital e afirmação histórica da tendência de equalização decrescente da taxa diferencial de exploração — isto é, na medida em que a referência-padrão da taxa média de exploração do capital global é a China, existe uma poderosa pressão do mercado mundial para equalizar as taxas de exploração de cada país capitalista às taxas de exploração da China e Sudeste Asiático.
Não é apenas o Brasil que sofre essa ofensiva do capital global — a vemos atuando há décadas nos países capitalistas centrais — União Europeia, EUA e Japão e depois na América Latina.
Portanto, a lei da terceirização e a resistência do empresariado em ampliar direitos trabalhistas e reduzir jornada de trabalho, por exemplo, fazem parte de um fenômeno mundial próprio da temporalidade histórica do capital em sua fase de crise estrutural — com nuances locais.
Terceirização no Brasil
No caso do Brasil, o país do Fim do Mundo, os traços da “modernização catastrófica” — aquela modernização incapaz de cumprir promessas civilizatórias — são mais evidentes. Está inscrito no nosso “DNA histórico“, a lógica da Casa Grande e Senzala. Se o custo de produção da força de trabalho de um escravo fosse menor do que o custo de produção de um trabalhador assalariado terceirizado ganhando um salário mínimo, nesta conjuntura de reação conservadora, com certeza algum deputado já teria proposto um PL abolindo a Lei Áurea.
Mas não — manter um escravo custaria hoje mais ao empresário do que empregar um trabalhador assalariado terceirizado. Enfim, o rebaixamento civilizatório aprofunda-se no país com a crise do neodesenvolvimentismo, onde forças políticas conservadoras se aliaram às forças políticas reacionárias de direita, comprometendo, deste modo, as trincheiras locais de resistência social e política à ofensiva do capital global, embora os próprios governos neodesenvolvimentistas — Lula e Dilma — tenham operado nos seus governos, com a lógica da governabilidade baseada no choque de capitalismo nos parâmetros estruturais do capital global.
IHU On-Line – Como entender a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados na atual conjuntura, em que o Estado é administrado pelo PT — Partido dos Trabalhadores? O que essa aprovação sinaliza sobre o partido e sobre a atuação da “esquerda” no país?
Giovanni Alves – Desde 2013, quebrou-se o ovo da serpente, criada pela própria dinâmica neodesenvolvimentista. O Congresso Nacional eleito em 2014 é flagrantemente conservador sob hegemonia das forças políticas reacionárias. Por exemplo, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), eleito presidente da Câmara dos Deputados, representa o líder supremo das forças conservadoras em aliança com a direita reacionária.
O PMDB, pelo menos desde 2013, sofreu um deslocamento político que implodiu a frente política do neodesenvolvimentismo. O governo Dilma eleito em 2014 está politicamente paralisado.
Alterou-se a correlação de forças no Congresso Nacional com a derrota contundente dos setores de esquerda, incluindo o PT. A rigor, o governo é do PMDB e não do PT.
Aliás, nunca foi um governo do PT, mas sim o governo de uma coalizão neodesenvolvimentista, onde a esquerda do PT sempre esteve isolada ou numa posição minoritária. A direção majoritária do PT, lastro do lulismo, é que operava a frente neodesenvolvimentista, articulando com o PMDB e pequenos partidos conservadores, o primado da governabilidade capaz de garantir o “reformismo fraco”, isto é, programas sociais de transferência de renda visando reduzir as desigualdades sociais e a pobreza extrema.
Entretanto, a inclusão social depende do crescimento da economia. O lulismo não funciona num cenário de conflito distributivo acirrado. A crise da economia brasileira da década de 2010 corroeu as bases do lulismo e implodiu a frente política do neodesenvolvimentismo. Desde 2013, pelo menos, explicitam-se os limites do neodesenvolvimentismo.
Com o cenário de desaceleração da economia, em parte devido à conjunção de efeitos do aprofundamento da crise mundial, o apagão de investimentos privados e esgotamento do ciclo de crescimento via oferta de crédito e consumo, e ainda somando-se a desaceleração da economia, o repique inflacionário, presenciamos o aumento da insatisfação das camadas médias urbanas, incrementando-se a eficácia política da ofensiva midiática da direita reacionária que, desde 2003, golpeava o setor dirigente majoritário do PT que articulava o lulismo — primeiro, com o “mensalão” e depois com a Operação Lava Jato.
Ofensiva mundial
Na verdade, 2013 é um ano de ofensiva mundial da nova estratégia política do Departamento de Estado norte-americano: a dita “Primavera dos Povos”, a ofensiva diplomática, política e militar contra Síria, Irã e depois Ucrânia, a desestabilização de governos progressistas na América do Sul por vias de insuflar a inquietação das “classes médias” (Argentina, Brasil, Venezuela, Equador e Bolívia) e depois a baixa estimulada do preço do barril de petróleo, atingindo vorazmente economias fragilizadas da Venezuela e da Rússia, compõem o quadro geopolítico da nova ofensiva do Imperialismo.
Portanto, a nova reação conservadora-reacionária no Brasil é sintomática da conjuntura geopolítica mundial, onde “forças das trevas” internas e externas — aproveitam as dificuldades estruturais intrínsecas das novas experiências neodesenvolvimentistas e pós-neoliberais, que não se alinharam aos interesses do imperialismo norte-americano — para desestabilizar os governos democraticamente eleitos com amplo respaldo popular.
No Brasil, em 2014, pela quarta vez, a coalização neodesenvolvimentista — com uma pequena diferença — derrotou a direita reacionária. Entretanto, na eleição parlamentar (Câmara dos Deputados e Senado), as forças conservadoras e reacionárias tiveram uma flagrante vitória, compondo uma nova maioria política, parte dela adversa ao Palácio do Planalto. Temos hoje um Congresso Nacional plenamente favorável às pautas políticas do empresariado, financiador dos políticos eleitos.
É a nova maioria política conservadora sob hegemonia reacionária que aprovou, por exemplo, na Câmara Federal, o PL 4330. Outras pautas conversadoras e reacionárias estão à disposição para serem aprovadas: a redução da maioridade penal e a Reforma Política mantendo financiamento empresarial.
De fato, o grande empresariado articulou-se bem: decidiu jogar em duas frentes políticas para aprovar a terceirização ampla e irrestrita: primeiro, provocou no STF, instância conservadora da República quando se trata de discutir questões trabalhistas, pouco antes das eleições de 2014, uma “repercussão geral” (o ministro Fux deve se pronunciar se a terceirização deve ser — ou não — ampla, geral e irrestrita).
A negação de Dilma
E depois, com a nova maioria política conservadora-reacionária adquirida em 2015, os deputados, sob pressão do empresariado, ressuscitaram no Congresso Nacional o PL 4330/2004, do ex-Deputado Sandro Mabel. Enfim, o empresariado utilizou as instâncias conservadoras da Nação — STF e Congresso Nacional — para desmontar a CLT e a Justiça do Trabalho, o que o Poder Executivo da República não quis fazer em fins de 2012, quando organizações empresariais pressionaram a Presidente Dilma para “flexibilizar” os direitos trabalhistas e ela se negou.
Foi a negação de Dilma em atentar contra direitos trabalhistas que levou o grande empresariado, frações da burguesia interna, ex-aliados do governo “lulista”, a romper com a coalizão neodesenvolvimentista (por exemplo, a candidatura de Eduardo Campos/Marina Silva — pelo PSB, ex-partido da base do governo — e a “rebelião” do PMDB, em parte, pode ser explicada pelo deslocamento político ocorrido com frações da burguesia interna).
Apesar de ser reeleita, Dilma sofreu uma derrota política fundamental, quando o PMDB, partido-chave da governabilidade neodesenvolvimentista, aliado com setores reacionários, compôs uma nova maioria política conservadora que elegeu o Presidente do Senado e o Presidente da Câmara Federal.
No momento crucial da história da República, ressuscitou-se, de modo piorado, o famigerado “Centrão” que na Constituinte de 1988 atentou contra avanços progressistas na nova Constituição Federal. Enfim, o empresariado encontrou o terreno político propício para fazer a Reforma Trabalhista do Século XXI.
IHU On-Line – Quais devem ser as consequências da terceirização para a CLT?
Giovanni Alves – A CLT vai se tornar um regime de contratação “nobre”. Quem diria, hein! Há algumas décadas, a esquerda criticava a CLT como uma peça autocrática-fascista oriunda do governo Vargas. Hoje, tornou-se um bote salva-vidas de direitos trabalhistas em extinção. Eis o sintoma da barbárie salarial que caracteriza o capital em sua fase de crise estrutural: o rebaixamento civilizatório. Vivemos, hoje, no Brasil e no mundo uma crise civilizatória.
IHU On-Line – Além da aprovação do PL 4330 na Câmara, no final do ano passado, a presidente editou as MPs 664 e 665, que mudam as regras previdenciárias e trabalhistas. Pode nos explicar quais são as mudanças que ocorrem a partir dessas MPs? Elas são adequadas ou não?
Giovanni Alves – As MPs 664 e 665 são medidas “corretivas” de direitos trabalhistas, sendo parte integrante do ajuste fiscal do Ministro Joaquim Levy. Elas não extinguem direitos, mas restringem e dificultam seu acesso. Num cenário de desemprego crescente, restringir e dificultar a acesso a direitos é perverso. Minha crítica é que medidas que atingem direitos previdenciários e trabalhistas deviam ser negociados com as centrais sindicais, mas não foram. O ajuste fiscal não foi discutido com o movimento sindical e popular e com as instâncias da sociedade civil organizada.
Este foi o maior erro da presidenta Dilma. Logo após ser eleita, não conversou com a sociedade brasileira sobre a necessidade do ajuste fiscal e não buscou construir caminhos concertados com os trabalhadores e movimentos sociais, visando penalizar no ajuste fiscal aqueles que sempre ganharam neste país: o capital rentista-parasitário.
Enfim, o governo Dilma conduziu a construção do ajuste fiscal de forma atabalhoada — ou míope. Preferiu um ajuste fiscal pela direita — o que não poderia ser diferente, tendo em vista que o Ministro da Fazenda é um representante legítimo dos interesses do capital financeiro.
Carta aos Brasileiros II
Temos em 2014, com Joaquim Levy na Fazenda, a volta da Carta aos Brasileiros II. Mas se Antonio Palocci era uma farsa em 2003, Joaquim Levy é a tragédia. O lulismo é isso aí. Talvez expresse o que descrevemos acima: o governo Dilma rendeu-se — visando conquistar a confiança do empresariado — às forças conservadoras sob hegemonia reacionária. Mas o Governo Dilma (e Lula) está pagando e vai pagar um preço alto por isso. Frações da “classe média” assalariada e inclusive da classe trabalhadora que votaram nela, e tinham uma avaliação positiva de seu governo, passam hoje a compor-se com setores conservadores e reacionários que pedem seu impeachment. As acusações sistemáticas de corrupção contra o PT, feitas pela Operação Lava Jato, conduzidas pelo verdadeiro Partido da Direita Reacionária (a mídia golpista), e a crise da economia brasileira, contribuíram para a crescente inquietação social principalmente das “classes médias”.
Na verdade, a conjuntura infernal do governo Dilma caracteriza-se por dois deslocamentos políticos e sociais muito sérios: primeiro, os conservadores fisiológicos no Congresso Nacional passaram a ser hegemonizados pela direita reacionária; e depois, frações da baixa classe média e classe trabalhadora — setores populares — passaram a ser hegemonizados pelo discurso conservador-liberal ou reacionário, tendo em vista o desgaste do governo, acusado de ser um governo de um partido corrupto (o PT) que faz um ajuste fiscal impopular.
IHU On-Line – Com a aprovação do PL 4330 e da atual situação do mundo do trabalho, quais as perspectivas acerca do trabalho no Brasil?
Giovanni Alves – As perspectivas não são promissoras. A última metade da década de 2010 será uma metade de “década infernal”. Tenho dito que os limites do neodesenvolvimentismo devem produzir cenários bizarros de fascismo social por conta do alavancamento da manipulação social que visa derrubar o governo Dilma (um fascismo social meio carnavalesco, estúpido, bizarro, como tem sido as manifestações dos “coxinhas” e seus intelectuais orgânicos). Não se iludam, a direita reacionária — apoiada pelas forças ocultas do imperialismo norte-americano — quer chegar ao governo do Brasil de qualquer modo até 2018.
Ao quebrar a coalizão neodesenvolvimentista, hegemonizando os conservadores fisiológicos no Congresso Nacional, principalmente o PMDB; e atrair setores da baixa classe média, que cresceu nos últimos anos, e inclusive setores trabalhistas organizados e populares, para o campo da reação liberal, criaram-se efetivamente neste país as condições sociais e políticas para a virada neoliberal (o que não tinha ocorrido nos últimos dez anos).
As perspectivas para o trabalho devem ser de luta e reflexão, aproveitando a crise para elevar o nível de consciência das massas. Não é fácil. Há muito tempo o PT perdeu a prática de luta e formação da consciência de classe.
Por outro lado, a militância da esquerda socialista, parte dela de oposição ao governo, é diminuta e irrelevante politicamente, não conseguindo transformar o calor das lutas sociais em luz — isto é, esclarecimento das massas sobre uma conjuntura complexa com mil tons de cinza.
Enfim, como diria Marx, “Hic Rhodus, hic salta!“, isto é, eis os novos (e gigantescos) desafios postos pelo capital para o mundo do trabalho organizado e para a nossa esquerda socialista, provocada nesse momento, a construir efetivamente uma nova frente política que consiga hegemonizar os setores populares e atrair parcelas importantes de setores da baixa “classe média” para um programa de desenvolvimento democrático nacional-popular.