Segundo o TJRR, júri formado apenas por índios é inédito no Brasil. Julgamento será na Raposa Serra do Sol; ‘é inovação’, diz liderança
Emily Costa – Do G1 RR
Está marcado para ocorrer no dia 23 de abril, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o primeiro júri popular indígena do Brasil, conforme afirmado nesta segunda-feira (13) pelo Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR). Os réus do processo, que tramita na Comarca de Pacaraima, ao Norte de Boa Vista, são dois indígenas da etnia Macuxi acusados de tentar matar outro índio em 2013.
Em coletiva de imprensa no TJRR, o juiz de direito responsável pelo caso, Aluizio Ferreira, afirmou que cerca de 30 indígenas, sendo 5 suplentes, das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang já foram escolhidos para participar do júri. No dia, sete serão sorteados e julgarão o processo. A audiência ocorrerá no Malocão da Demarcação, na região do Maturuca. Por razões de segurança, será restrita a pessoas autorizadas.
“Levar esse julgamento para a comunidade indígena com um corpo de jurados formado essencialmente por indígenas é muito importante para dar legitimidade ao ato específico. E isso é o inédito deste caso: serão pares julgando seus próprios pares. Obviamente, todo o processo tramita conforme a Constituição Federal. Nada é feito ao alvedrio da Lei”, frisou o juiz.
Antes de optar pela realização da audiência, os líderes indígenas da região se reuniram em assembleias e decidiram juntos pelo júri popular. “Em dezembro do ano passado, pelo menos 270 deles foram favoráveis à audiência. Então, a realização do júri é resultado de uma escolha coletiva, não é etnocentrismo ou imposição”, afirmou Ferreira.
Caso
Conforme o juiz, o caso que irá a júri popular envolve dois acusados, um de 27 e outro de 35 anos, e a vítima, que não teve a idade revelada. A tentativa de homicídio ocorreu no município de Uiramutã, Nordeste do estado, em 23 de janeiro de 2013.
A defesa dos réus, segundo o juiz, alega que os homens tentaram assassinar o outro porque acreditavam que ele estava ‘dominado’ por uma entidade espiritual indígena denominada de ‘Canaimé’ e suspeitaram que ele seria o autor de outros dois homicídios que ocorreram dentro da Terra Indígena.
Após tentarem assassinar a vítima, os dois homens foram presos em Uiramutã em flagrante e conduzidos à Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), na zona rural de Boa Vista. Poucos meses depois de serem detidos, os suspeitos foram soltos e passaram a aguardar o julgamento em liberdade.
Segundo Ferreira, a comunidade dos acusados não criou punições ou fez jugamentos internos. Por causa disso, o processo continuou a tramitar normalmente na Justiça até chegar à etapa do julgamento.
“É muito comum que as próprias comunidades indígenas decidam punir os culpados conforme as regras deles. Dessa forma, os processos na Justiça podem ser até extintos, uma vez que já tenha ocorrido um julgamento e até uma pena. Contudo, isso não ocorreu nesse caso na Raposa Serra do Sol e a ação continuou tramitando normalmente”, encerrou Ferreira.
‘É uma inovação’, diz líder indígena
Sobre a realização do júri popular, um dos líderes indígenas da região das Serras, Julio Macuxi, afirmou que o caso ‘é uma inovação’. Ele acredita que o evento ajudará os povos indígenas a ‘compreender o Direito praticado pelos não-índios’.
“Isso vai permitir abrir novas discussões na Raposa Serra do Sol para que possamos resolver os nossos conflitos”, declarou Macuxi, acrescentando que até a realização do júri, os réus continuam vivendo normalmente na comunidade. “Eles vivem livremente, porque logo após o crime foram presos e só depois voltaram à Terra Indígena”.