Emanuelle Goes* – População Negra e Saúde
Do meu lugar de enfermeira, me recordo do tempo de estudante de graduação nos momentos de estágios, principalmente nos estágios em obstetrícia. Vou lá atrás buscar informações da memória, vou lá ver como os profissionais atendiam e (não) cuidavam das gestantes e tiro a seguinte conclusão, a violência obstétrica faz parte da rotina profissional, no formato do atendimento de todos os profissionais, cada um no seu espaço de poder, atuando de forma hierarquizada: a técnica de enfermagem grita causando constrangimento, a enfermeira atrasa o procedimento, e os médicos realizam diagnósticos excessivos, a exemplo do tal “exame de toque”.
A minha ida ao passado acontece por conta de nos últimos meses, estar lendo muito artigos e denuncias sobre a violência obstétrica e a resistência dos profissionais de saúde tem na atuação frente as mulheres em trabalho de parto ou em situação de abortamento, esta violência estar pautada e diretamente vinculada à relação de poder entre profissional e paciente que tem como estruturante o patriarcalismo, o racismo e sexismo, e com isso as mulheres tem todas as opressões potencializadas.
A violência obstétrica caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos. profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda de autonomia e a capacidade de decidir sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres, essa e a definição dada pela Venezuela e Argentina, onde a Violência Obstétrica é tipificada. (Defensoria do Estado SP)
As mulheres sofrem violência tanto no parto, quanto na situação de abortamento, sendo o ultimo, o alvo mais legitimo na pratica, no entanto as que dão “a luz” não estão salvas de serem violentadas institucionalmente, por conta disso, porque na verdade o grande problema é o SER, mulher negra jovem de periferia, estas categorias sociais/identitárias define ou ajuda muito a decisão do profissional como serão tratadas as pessoas nos serviços de saúde.
Para os profissionais de saúde, em especial os médicos, a realização de parto cesárea, o uso de ocitocina e a episiotomia, por exemplo, não praticas que se classificam como violência obstétrica, pois ajudam as mulheres no parto, no entanto todos esses procedimentos em excesso ou realizado de forma desnecessária são classificados como violência obstétrica sim, e que muitas vezes servem para facilitar a vida desses profissionais. Vale apena ler o artigo-denúncia sobre Outras dores do parto: mães relatam ‘novotipo’ de violência obstétrica em hospitais.
Voltando a minha graduação, só para pensar, que horas é que aprendemos isso? Temos que contar com a nossa sensibilidade humana somente? Ou o ensino na formação do profissional já precisaria garantir pelo menos o que seria boas praticas no atendimento e cuidado das mulheres na gestação?
Recentemente a Pesquisa Nascer no Brasil, apresentou dados interessantes sobre as intervenções durante o parto em mulheres de risco obstétrico habitual e boas práticas e o que o estudo mostra é que a infusão de ocitocina e ruptura artificial da membrana amniótica foi uma técnica muito utilizada para provocar a aceleração do trabalho de parto. Ambas ocorreram em cerca de 40% das mulheres de risco habitual, sendo mais frequente nas mulheres do setor publico, de mais baixa escolaridade (1).
Atualmente a Organização Mundial de Saúde – OMS e o Ministério da Saúde recomendam para o manejo do trabalho de parto inclusão de oferta de líquidos; estímulo à adoção de posições verticalizadas e liberdade de movimentação, buscando aumentar o conforto materno e facilitar a progressão do trabalho de parto; e uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor, tais como banho de aspersão ou imersão em água quente, massagens e outros. Essas são tecnologias acessíveis, não invasivas e de baixo custo, sendo possíveis de serem ofertadas por todos os serviços de saúde (1).
A violação dos Direitos Sexuais e Reprodutivos corresponde à limitação de oportunidades na vida das mulheres, tanto na esfera pública como na esfera privada – e também podem culminar, muitas vezes, na morte e na aquisição de doenças que poderiam ser evitadas.
A violência institucional, e neste caso especifico de violência obstétrica prejudica o acesso das mulheres aos serviços de saúde que pode levar a morbimortalidade materna. O espaço do cuidado e da assistência à saúde, assim como os seus profissionais, deveriam garantir minimamente que as mulheres tivessem o seu risco de adoecer e morrer reduzidos, no entanto por conta de uma estrutura de sociedade opressora, desigual e preconceituosa coloca a vida das mulheres em risco a cada momento que elas entram nos serviços de saúde!
Então mulheres que façamos muitas denuncias para que a regra do cotidiano das violências obstétricas se torne um caso isolado,uma exceção!
Fonte:
*Blogueira, Enfermeira, Odara Instituto da Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública/UFBA