Alunos indígenas são preparados para o Ensino Fundamental nas aldeias de Rondônia
Alice Thomaz – Rondonia Dinamica
Uma nova turma de professores indígenas está sendo formada pelo governo do Estado para o exercício do magistério nas aldeias de Rondônia. Trata-se da terceira edição do curso de Formação de Ensino Médio para o Magistério Indígena, que teve o primeiro módulo encerrado na semana passada, no Hotel Minuano, em Presidente Médici.
De acordo com uma das coordenadoras do projeto da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Ângela Gahu da Silva, um novo módulo está previsto para o mês de abril.
Ela conta que são 120 alunos distribuídos em pelo menos 32 etnias, entre as quais Suruí, Arara, Gavião, Tupari, Cinta Larga, Karitiana, Kaxarari, Oro não, Oro Waram, Oro Win, Oro at, Xijein, Oro Mon, Wajuru, Macurap, Cão Orowaje, Orojowin, Oro eo, Jabuti, Sakyrabia, Aruak, Miguelenos, Mamaindê, Aikanã, Sabanê, Uru Eu Wau Wau, Latundê, Canoé, Amondawa e Kampé. O curso está dividido em 10 módulos, quatro dos quais serão ministrados neste ano e a conclusão está prevista para 2017. Além das aulas presenciais, os alunos serão supervisionados nas próprias aldeias com aula não presencial, com carga horária para cumprir.
O primeiro curso de formação indígena teve início em 1997 e só foi concluído em 2004. O segundo durou de 2009 a 2013. Os novos professores são capacitados para lecionar do 1º ao 5º anos, com matérias previstas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), além de disciplinas que se relacionam com a parte pedagógica e questões indígenas, como línguas nativas, identidade e cultura indígena. Conforme Ângela Gahu, parte dos alunos já vem com uma bagagem de sala de aula, mas a turma atual é uma das mais privilegiadas, pois a maioria dos alunos tem Ensino Médio, e agora se especializa no magistério.
Para ter acesso ao curso de formação, os candidatos passam por um processo de seleção na própria aldeia. Um dos critérios é que tenham o Ensino fundamental. A maioria dos interessados é do sexo masculino e a faixa etária é um pouco diversificada. “No último grupo os alunos eram mais velhos. Atualmente eles estão na faixa dos 17 aos 30 anos, alguns saindo do Ensino Médio”, observou Ângela, lembrando que os professores são selecionados pela própria Seduc, de acordo com a área de atuação.
CONCURSO
Rondônia tem 109 escolas indígenas e cerca de 3.400 alunos matriculados, número que deverá ser expandido ao longo deste ano, com a implantação do Ensino Médio regular em algumas aldeias. Mas a quantidade de professores ainda não atende à necessidade. Por isso é aguardada a realização do primeiro concurso para contratação de professores indígenas, previsto para este semestre.
Na aula de História da Educação, a professora Laide Ferreira, com cerca de 30 alunos de várias etnias, detinha a atenção de todos, que buscavam entender detalhadamente cada explicação da professora.
Alberto Gavião, de Ji-Paraná, 26 anos , contou que até os 4 anos de idade estudou na própria aldeia, depois estudou com brancos. Ele acha importante a oportunidade de se aperfeiçoar para ser um professor em sua própria tribo. Em outra sala de aula, desta vez o assunto era filosofia. A professora Érica Raihaise dava aula para 14 etnias de cinco municípios deferentes.
Osmar Tupari , 21, se prepara para ser o cacique de sua aldeia no futuro. Ele não é filho único, mas acha possível herdar o título de maior autoridade tribal do pai, que herdou de seu avô. Mas enquanto isso não acontece, ele quer ser professor. “Quero levar conhecimento para o meu povo, para minha aldeia”.
Ele explicou que os tuparis estão mais concentrados na região de Alta Floresta, mas que seus antepassados escolheram se estabelecer na região do rio Guaporé, na localidade de Uruçari. O acesso é difícil. Da aldeia a Guajará-Mirim são necessárias 20 horas de barco. Na volta para casa, como é contra a maré, são 36 horas de viagem. “Mas vale a pena”, constata.
A aldeia tem cerca de 80 pessoas e vive da pesca e do plantio de banana, abacaxi e mandioca. Uma da preocupações de Osmar é quanto ao desaparecimento da língua nativa . “Hoje só umas tias mais velhas falam nossa língua”.
Mas ele acredita que o curso de magistério já o está ajudando desde o início, uma vez que teve a oportunidade de contatar parentes por parte do avô, que vivem em aldeias em Alta Floresta, e já estão tratando de um intercâmbio para aproximação e trabalhar em conjunto o resgate do idioma nativo em sua aldeia. “A nossa língua é um bem muito importante e não podemos perder isso”, observa.
Para o jovem, o alerta surgiu já dentro do curso, com a convivência com outros indígenas. “Assim como o interesse pelo resgate do idioma nativo, muitas outras particularidades das tribos são despertadas no decorrer do aprendizado”, explica Ângela Gahu.
Maria Clenilce Kanoé Macuripe, 25, assistia aula acompanhada do bebê Cabixi, de menos de 30 dias de vida. Na distante aldeia, na região de Guajará-Mirim, em uma localidade identificada como Baía das Onças, deixara outros três filhos aos cuidados da mãe, que se formou na turma anterior. Superando obstáculos, a indígena disse que quer chegar ao fim do curso, pois entende que a educação poderá melhorar a vida do seu povo que, segundo ela, é muito sofredor. Para Clemilda, a função de professora vai ajudar não somente a ela e a sua família, mas a todo o povo.
O segundo módulo do curso está previsto para outubro, quando alunos e professores vão passar em torno de 30 a 35 dias distantes de seus familiares.
Os professores têm um sistema de revezamento, mas os alunos permanecem todo o tempo no alojamento. Durante o período são atendidos não só por profissionais da Seduc, como também da Secretaria de Saúde (Sesau). A formação faz parte de uma parceria dos governo estadual e Federal.
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Foto: Alberto Gavião quer ensinar índios de sua aldeia – Ésio Mendes