Indígenas Munduruku, Wai-Wai e de outras etnias, que se inscreveram para o PSE 2015 – Processo Seletivo Especial, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), foram surpreendidos com a mudança que a instituição fez na avaliação, contrariando acordo que havia sido feito com as lideranças indígenas para que estas autorizassem a participação de candidatos das suas aldeias na seleção. Por isso, segundo líderes indígenas ouvidos por O Estado do Tapajós, a maioria dos índios que moram e estudam nas tribos, no sudoeste e noroeste do Pará, disputou as quotas em desvantagem com outros indígenas que moram em comunidades rurais e até mesmo em cidades, como Santarém, Jacareacanga e Itaituba.
De acordo com Hans Kabar Munduruku, liderança dos Munduruku, havia sido acordado pela Ufopa com as lideranças indígenas, em outubro do ano passado, que a prova constaria de redação e entrevista com os candidatos. No entanto, na prova escrita, também constaram questões de interpretação de texto, tudo em língua portuguesa, o que dificultou a compreensão dos indígenas aldeados que falam somente a língua nativa. Dos 365 candidatos inscritos para prestar o exame em Santarém, Jacareacanga e Oriximiná, apenas 8 indígenas aldeados foram classificados para a segunda fase, um número bem inferior ao que ocorreu em anos anteriores.
“Os indígenas que fizeram a prova do PSE 2015 estão muito confusos com o resultado dessa seleção, porque antes de acontecer, o pessoal da Ufopa esteve em Jacareacanga onde ficou acertado que os indígenas fariam uma prova escrita de redação e posteriormente, os que fossem aprovados passariam por uma entrevista. Mas, para surpresa de todos, além de redação a prova tinha questões de interpretação de texto. Os indígenas da aldeia não têm muito domínio da língua portuguesa e como a prova foi muito técnica, eles tiveram muita dificuldade para responder. Então, queremos explicações sobre o motivo dessa mudança”, declarou Hans Kabar Munduruku.
Representante de doze povos indígenas da região, o CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns) protocolou documento na secretaria da Pró-reitoria de Ensino da Ufopa, na última sexta-feira (13) pedindo explicações sobre a forma como ocorreu a correção das avaliações do PSE 2015, pois a maioria dos indígenas aldeados e falantes de suas línguas nativas não foram classificados para a próxima fase (entrevistas) que acontece nesta sexta-feira(20).
Para o CITA, o baixo número de aprovações na prova escrita mostra que houve falha no processo avaliativo. Assim sendo, o Conselho requereu uma nova avaliação ou nova correção das provas. “A não realização do que requer a entidade vai configurar quebra do acordo firmado junto às lideranças para realização de tal processo”, diz o documento.
O CITA considera que o processo seletivo especial é uma grande conquista para o movimento indígena organizado, pois foi criado para permitir o acesso e permanência diferenciada aos indígenas que têm pouco acesso ao ensino superior, principalmente os aldeados, mas quando a Ufopa cria dificuldades para o ingresso dos indígenas, surgem dúvidas quanto à finalidade do PSE.
Segundo informações de Hans Kabar Mundurucu, apenas quatro índios Munduruku e quatro Wai-Wai foram aprovados para a fase de entrevistas em 2015. No PSE 2014, foram aprovados 14 de cada etnia. A liderança indígena lamenta a mudança na metodologia da avaliação do PSE porque segundo ele, os índios que moram na cidade e tem contato frequente com a língua portuguesa têm mais possibilidade de aprovação, enquanto os aldeados, ficam em desvantagem até pela qualidade da educação que deixa a desejar.
“Enquanto os índios que moram na cidade estudam no ensino regular, têm acesso a bibliotecas e internet, os índios aldeados cursam o ensino modular e só tem a rádio nacional da Amazônia como fonte de informação. Isso faz muita diferença na avaliação do PSE. Os nossos indígenas que vivem aldeados e que teriam maior possibilidade de voltar formados para suas aldeias para contribuir na formação de seus parentes foram prejudicados com essa mudança na avaliação”, disse Hans Kabar Mundurucu.
A Ufopa ainda não prestou as informações requeridas pelo CITA, nem comunicou oficialmente se as entrevistas agendadas para esta sexta-feira com os indígenas aprovados serão mantidas para esta data.
Atualização:
Prova de interpretação de texto está prevista no edital do PSE Indígena, afirma Ufopa
Em nota enviada à redação de O Estado do Tapajós, a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) afirma que o edital que rege o Processo Seletivo Especial 2015 Indígena, faz menção a prova de leitura e interpretação de texto, como parte da primeira etapa de caráter classificatório.
De acordo com a Ufopa, não houve quebra de acordo como alega a liderança Mundurucu, Hans Kabar Mundurucu, que em entrevista à reportagem de O Estado disse que técnicos da instituição teriam dado garantia aos indígenas que a prova seria tão somente de redação e entrevistas.
Ainda de acordo com Hans Kabar Mundurucu, a prova de interpretação de textos prejudicou os indígenas aldeados que não têm domínio da língua portuguesa, ocasionando baixo índice de aprovação em relação ao PSE 2014, apesar do número de inscritos para o certame de 2015 ter sido muito maior.
Por causa do baixo número de classificados para a etapa de entrevistas, que começa hoje (20.02), o CITA – Conselho Indígena Tapajós Arapiuns protocolou junto à Proen (Pró-Reitoria de Ensino), pedido de informações sobre a avaliação, realização de uma nova avaliação ou nova correção. O pedido, de acordo com a nota enviada ao jornal, está em análise.
Nota sobre PSE 2015 para o jornal O ESTADO DO TAPAJÓS
Com relação ao documento protocolado na PROEN, solicitando explicações sobre mudança no formato da avaliação escrita do PSE 2015, a UFOPA esclarece que:
1. Todos os critérios de avaliação adotados no Processo Seletivo Especial 2015 foram estabelecidos e relacionados no edital nº 21 do Processo Seletivo Especial 2015 Indígena, publicado no sítio da UFOPA na Internet. No documento ficou esclarecido que o Processo Seletivo Especial 2015 Indígena da UFOPA ocorreria em duas etapas, ambas de caráter classificatório e eliminatório. A primeira consistiria de prova de leitura e de interpretação de textos. Já a segunda etapa consistiria de entrevista e análise do histórico escolar do ensino médio dos candidatos não eliminados na primeira fase.
2. Destaca-se ainda que, antes da publicação do edital, a UFOPA realizou, em novembro de 2014, nos municípios de Jacareacanga, Oriximiná e Santarém, o I Seminário Descentralizado do Processo Seletivo Especial (PSE) da UFOPA. Os eventos reuniram diversos representantes e lideranças negras e indígenas da região e propiciaram uma ampla discussão sobre o ingresso diferenciado para os cursos regulares de graduação da Universidade, inclusive sobre os critérios a serem adotados nas provas do PSE.
3. Sobre os questionamentos do CITA, a UFOPA está avaliando o documento protocolado e deverá responder ao demandante em tempo hábil, conforme o prazo para recursos previsto no edital, de forma que não haja prejuízo para o processo de habilitação e matrícula.
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Foto: Hans Kabar Munduruku
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Florêncio Vaz.