Os agentes policiais que agrediram estupidamente Flávio Almada e os seus companheiros do Bairro da Cova da Moura mostraram ao país o que o país é.
Por José Manuel Pureza*, em Esquerda.net
“Não sabem o quanto eu vos odeio, raça do caralho, pretos de merda”. O racismo é ódio convencido. É um ódio assim. E um ódio assim tem sempre um juízo de superioridade cultural que o anima. Os agentes policiais que agrediram estupidamente Flávio Almada e os seus quatro companheiros do Bairro da Cova da Moura mostraram ao país o que o país é. Porque eles expressaram pela força bruta e pelas palavras brutas o racismo profundo que habita a gente anónima e a imagem disseminada que Portugal faz de si próprio.
O racismo é uma marca funda da realidade portuguesa. E, como quase sempre, é uma marca que se nega a si mesma ou que se traveste. No discurso do dia a dia, os portugueses brancos ou nunca se assumem como racistas ou, mais ainda, veem-se como tendo um relacionamento excecional com os pretos, disponíveis para “os ensinar” ou até para “lhes reconhecer direitos fundamentais”. Nisto, o racismo português é um racismo como os outros, sempre convencidos da sua excecionalidade benigna e do seu caráter meramente ocasional.
Ora há um exercício da auto-análise que Portugal continua a teimar não fazer. Talvez muito do desinvestimento no lugar das ciências sociais tenha a ver com essa demissão. Mas a realidade das coisas é que o racismo impregna as raízes de muitas imagens e de muitos discursos na sociedade portuguesa. Os estereótipos sobre o povo cigano ou sobre as mulheres brasileiras, a crescente islamofobia ou a difusa associação da criminalidade violenta a grupos étnicos específicos são apenas algumas expressões mais claras desta cultura racista.
É muito sintomático que, ao espancarem um jovem preto, os agentes policiais agressores tenham gritado “vocês deviam era alistar-se no Estado Islâmico”. Há nesta associação absolutamente espúria dos jovens pretos ao fundamentalismo islâmico agressivo a revelação dos fantasmas incultos que povoam o imaginário de tanta gente em Portugal. Nesse imaginário sempre amedrontado com o diferente, o preto e o islão são uma e a mesma ameaça à indiscutida superioridade cultural do cristianismo branco. Esse imaginário que junta acriticamente um ‘nós’ para o opor ainda mais acriticamente a um ‘eles’ igualmente artificial é hoje uma ameaça maior à democracia completa em Portugal. Avesso ao exigente diálogo intercultural, esse imaginário cheio de fantasmas que a agressão policial aos jovens da Cova da Moura mostrou na sua crueza, sementa, exclui, agride. Entre ele e a criação de um partido dos “Verdadeiros Portugueses” vai um passo. Pequeno.
–