Um velho negro, rico, escolarizado, conversa com um jovem negro, pobre, analfabeto, em uma esquina do Brasil. Após ouvir atentamente às lamentações socioeconômicas do jovem pobre, o velho rico, conclui: — É, meu bom rapaz, entendo o que você diz. Eu também já fui negro. (Autor não lembrado)
Por Francinaldo Morais*
Não sou o que se poderia chamar de um ranzinza antiamericano-do-norte mas seria desonesto esconder minhas desconfianças das intenções (quase sempre inconfessas) dos “yankees”, principalmente em matéria de política externa. Fundamento as minhas desconfianças nas reiteradas leituras que tenho feito, como professor de História e humanista, interessado pela emancipação humana, de obras clássicas como “O império americano”, do francês Claude Julien, e “As veias abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano.
Mesmo sabendo desta minha tendência ianquenofóbica, dias após a primeira eleição do afro-americano Barack Obama à presidência da república dos EUA, um amigo e leitor do meu livro “Ecos da Escravidão” (2008) provocou-me sobre o significado desse fato histórico para o Movimento Negro no mundo. Informado, mas sem qualquer garantia de que poderia está certo, disse-lhe que Obama seria um Presidente negro e não um Negro presidente.
Hoje tenho mais segurança para afirmar que a condição étnica negra do indivíduo Barack Obama pouco ou quase nada influi nas decisões do atual Presidente norte-americano. Ser negro, urbano, formado em Direito em Harvard, maior autoridade do país, Nobel da Paz de 2009 e conhecedor das lições do pastor Martim Luther King (1929-1968) não o impediram de ordenar os sobrevoos mortais dos “drones” sobre as populações do Afeganistão, do Iémem, do Iraque, do Paquistão, da Somália, da Líbia e da Síria.
Nestes primeiros dias, de fevereiro de 2015, esse Presidente, com ancestrais no Quênia (África), que chegou a empolgar muitos “brothers” (e até outras etnias) no mundo, traindo o espírito conciliador e pacifista do seu compatriota negro Luther King, tem solicitado autorização ao Congresso Americano para invadir e promover destruições material e humana sobre a população do Irã, considerado pelo Estado norte-americano como parte do “eixo do mal”.
Quais as alegações confessadas do Estado norte-americano, representado por Obama, mas controlado pelas elites empresariais brancas, notadamente as frações industrial e financeira de Wall Street? O capitalismo norte-americano, com sua democracia liberal, vem sendo ameaçado pelo “terrorismo internacional” que mantém estreitas relações com Estados islâmicos. O Estado norte-americano tem o dever de combater e destruir esse terrorismo. Quais as intenções inconfessas dessas mesmas elites?
Contrariando as lições do filósofo húngaro István Meszáros, que concluem por uma “crise estrutural do capitalismo que compromete irremediavelmente todo o Sistema”, os teóricos liberais afirmam se tratar de “mais uma das superáveis e imanentes crises cíclicas”. Como são os liberais que controlam, para eles uma das formas do Sistema se renovar é através de guerras. Não sendo mais possível uma guerra mundial, incentivam-se conflitos armados localizados. A economia geral cresce “centrifugada” pela economia industrial militar.
Quando o afro-brasileiro Celso Pitta (1946-2009) foi eleito prefeito de São Paulo, em 1996, alguns amigos negros não compreenderam as considerações que fiz quanto às perigosas relações políticas de Pitta com as elites brancas paulistas. Naquele, como neste caso, volto ao velho Marx (Ianni, 1982, p. 95): “um negro é um negro; apenas em determinadas condições, ele se torna escravo”. No caso de Obama, trata-se de um negro livre, na América do Norte, que decidiu voluntariamente pela opressão de outros povos e pelo mau exemplo ao seu próprio grupo étnico ao se tornar prisioneiro voluntário da minoria branca que controla Wall Street.
Como sugerido na epígrafe, um negro é aquele que se autoidentifica e é identificado socialmente como tal, mas sob algumas condições ele pode recusar essa identificação e até impor a outros que também o façam. O que é certamente uma desgraça para a emancipação coletiva pode até proporcionar benefícios para um ou outro indivíduo negro!!
(*) Professor de História, membro do IHGC e acadêmico de Direito.